31 de dezembro de 2012

Melhores e Piores filmes lançados no Brasil em 2012


Não é muito fácil colocar o ano de 2012 em palavras. Certamente foi um ano aquém dos últimos em números de longas-metragens vistos, mas a qualidade se manteve e podemos dizer que a cada ano coisas novas e interessantes ganham suas merecidas menções. 

2012 foi o ano em que a Europa e Oriente compareceram em peso na lista de melhores, destacando-se França e Japão. Quando diretores de potencial se reafirmaram, outros mostraram que continuam os melhores de sua geração e realizadores irregulares conseguiram oferecer seus melhores filmes.

O ano de destaque para bons documentaristas brasileiros. Mas também momentos de reboots, remakes, finais de trilogia e decepções no cenário Hollywoodiano. 

Contudo, antes de finalmente publicar a lista dos melhores filmes lançados no Brasil em 2012, vamos deixar algumas observações:

1) Como se trata de uma lista de filmes que foram lançados nesse ano no país, irá conter filmes de 2010 ou 2011, além do fato de filmes que só estrearam em festivais ou algo do tipo não fazerem parte; 

2) Lançamentos em DVDs também são considerados;

3) No final do post, estará links para os meus comentários/críticas acerca de cada filme visto em 2012, além de eu disponibilizar um link sobre cada título que faz parte dos dois TOPs;

4) Por último, caso você não leve minha opinião em conta ou nunca concorde com minhas análises, sugiro parar por aqui, pois a lista é claramente pessoal.

Finalmente, segue a lista final dos melhores e piores filmes lançados no Brasil em 2012:

Melhores Filmes Lançados no Brasil em 2012:

1. Invenção de Hugo Cabret, A (Hugo. EUA, 2011)
2. Espião Que Sabia Demais, O (Tinker Tailor Soldier Spy. Inglaterra, 2011)
3. Shame (Idem. Inglaterra, 2011)
4. Holy Motors (Idem. França/Alemanha, 2012)
5. 13 Assassinos (Jûsan-nin no shikaku. Japão, 2010)
6. Um Alguém Apaixonado (Like Someone in Love. França/Japão, 2012)
7. Moonrise Kingdom (Idem. EUA, 2012)
8. Operação Invasão (Serbuan maut. Indonésia, 2011)
9. Raul – O Início, o Fim e o Meio (Idem. Brasil, 2012)
10. Laurence Anyways (Idem. Canadá/França, 2012)

Outros filmes que merecem menção:

007 – OperaçãoSkyfall (Skyfall. Inglaterra, 2012)
Artista, O (The Artist. França, 2011)
Abrigo, O (Take Shelter. EUA, 2011)
Aqui é o Meu Lugar (This Must Be the Place, Itália/França/Irlanda, 2011)
Argo (Idem. EUA, 2012)
Aventuras de Pi, As (Life of Pi. EUA/China, 2012)
Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge (The Dark Knight Rises. EUA, 2012)
Deus da Carnificina (Carnage. França/Alemanha/Polônia/Espanha, 2011)
Elefante Branco (Elefante Blanco. Argentina/Espanha/França, 2012)
Febre do Rato, A (Idem. Brasil, 2011)
Guerreiro (Warrior. EUA, 2011)
Heleno (Idem. Brasil, 2011)
Hotel da Morte (The Innkeepers, EUA, 2011)
Impossível, O (The Impossible. Espanha, 2012)
Intocáveis (Intouchables. França, 2011)
Minha Irmã (L’enfant d’em haut. França/Suíça, 2012)
Música Segundo TomJobim, A (Idem. Brasil, 2011)
Polissia (Polisse. França, 2011)
Precisamos Falar Sobre o Kevin (We Need To Talk About Kevin. Inglaterra, 2011)
Sentido do Amor (Perfect Sense. Inglaterra, 2011)
Ted (Idem. EUA, 2012)
Tropicália (Idem. Brasil, 2012)
Vingadores, Os (The Avengers. EUA, 2012)
Vou Rifar meu Coração (Idem. Brasil, 2011)

Piores Filmes Lançados no Brasil em 2012:

2. Cada um tem a Gêmea que Merece (Jack and Jill. EUA, 2011)
3. Filha do Mal (The Devil Inside. EUA, 2012)
4. Como Agarrar Meu Ex-Namorado (One for the Money, EUA, 2012)
5. Espelho, Espelho Meu (Mirror Mirror. EUA, 2012)
6. O Babá(ca) (The Sitter, EUA, 2011)
7. Apartamento 143 (Emergo. Espanha, 2011)
8. Armadilha (ATM. EUA/Canadá, 2012)
9. Atividade Paranormal 4 (Paranormal Activity 4. EUA, 2012)
10. Palavras, As (The Words. EUA, 2012)

Outros filmes que merecem menção:

119 Graus (247ºF. Geórgia, 2011)
Albert Nobbs (Idem. Inglaterra/Irlanda, 2011)
Branca de Neve e oCaçador (Snow White and the Huntsman. EUA, 2012)
Dama de Ferro, A (The Iron Lady. Inglaterra, 2011)
Diário de Um Jornalista Bêbado, O (The Rum Diary. EUA, 2011)
E Aí... Comeu? (Idem. Brasil, 2012)
Intrusos (Intruders. EUA/Espanha/Inglaterra, 2011)
J. Edgar (Idem. EUA, 2011)
O Que Esperar QuandoVocê Está Esperando (What to Expect When You’re Expecting. EUA, 2012)
Rock of Ages: O Filme (Rock of Ages. EUA, 2012)

No IMDb, os filmes comentados: Primeira parte, segunda parte e terceira parte.

 Abaixo, os 305 filmes vistos em 2012 e suas respectivas cotações:

17 de dezembro de 2012

Um Alguém Apaixonado


Like Someone in Love, França/Japão, 2012. Direção: Abbas Kiarostami. Roteiro: Abbas Kiarostami. Elenco: Rin Takanashi, Tadashi Okuno, Ryo Kase e Denden. Duração: 109 min.

Um Alguém Apaixonado se passa, basicamente, em apenas quatro lugares: em um café, num trajeto de taxi, no apartamento de um personagem e durante uma volta de carro. E é nessa lentidão precisa que está a força narrativa do novo filme de Abbas Kiarostami, explorando cada particularidade de seus personagens nas situações que ocorrem durante essas sequências. Assim, contando com poucos personagens para estabelecer, o diretor consegue dar profundidade até para um taxista ou para uma senhora que vê a vida passar pela vista limitada de uma janela.

Contando com diálogos nada expositivos ou muito reveladores, a trama, escrita por Kiarostami, gira em torno de uma jovem universitária chamada Akiko, que é compelida a se encontrar com um simpático/recluso professor e tradutor de livros. Em paralelo, também somos apresentados ao noivo da moça, que desconfia de tudo que ela faz e diz.

Centralizando sua câmera num único ponto e mostrando diferentes situações e personagens ao redor da protagonista (que é perfeitamente apresentada apenas com sua voz), a sequência inicial resume a cartilha que o iraniano utiliza no decorrer de sua narrativa. Com uma elegância singular, Kiarostami posiciona cada personagem da maneira como deve proceder em sua história; e mesmo que não seja revelador no que exatamente está ocorrendo, quem são aquelas pessoas e o que elas fazem, o diretor oferece dicas ao longo de seu primeiro ato, seja numa cuidadosa enxugada de óculos de Nagisa ou numa esclarecedora mensagem durante um trajeto de taxi.

E do mesmo modo que um único gesto de uma personagem praticamente sem importância no decorrer da história de Akiko surge denunciador, outros personagens acabam sendo igualmente aprofundados por Kiarostami – nessa perspectiva, o noivo da protagonista aparece muito mais multifacetado do que exclusivamente uma pessoa ciumenta ou agressiva (como a conversa no carro com o “avô” de Akiko insinua). Ainda que o roteiro tenha uma parcela de contribuição nesses pequenos gestos (o qual enquadro, por exemplo, Akiko tirando o casaco tão somente quando se sente confortável na casa de Watanabe), nada seria possível sem o talento de seus atores.

Nesse ponto, Tadashi Okuno desponta como uma das melhores e mais comprometidas atuações do ano, ao encarnar um senhor extremamente solitário e misterioso – destacando-se, principalmente, em duas cenas: na primeira, no seu contido desespero quando se vê sem saída ao deparar-se com o noivo de Akiko na porta de sua residência; além da tocante cena em que se vê sozinho em sua sala, mais uma vez, solitário e ouvindo Like Someone in Love ao fundo.

Afinal, a bela canção cantada por Ella Fitzgerald simboliza com perfeição a vida daquelas pessoas que aborda: tão desorientados quanto um alguém apaixonado.

                            

10 de dezembro de 2012

Holy Motors


Idem, França/Alemanha, 2012. Direção: Leos Carax. Roteiro: Leos Carax. Elenco: Denis Lavant, Kylie Minogue, Eva Mendes, Edith Scob, Elise Lhomeau, Jeanne Disson, Michel Piccoli e Leos Carax. Duração: 115 min.

Em uma das melhores cenas de Holy Motors, o personagem Oscar vira para sua “filha” e exclama: “O que vou fazer? Darei uma volta por aí. Seu castigo, minha pobre Angèle, é você ser quem você é. Ter que conviver consigo mesma”. E nada poderia ser mais fidedigno do que essa sentença para explicar o porquê de Oscar ser daquela forma e trabalhar daquela forma: afinal, quando apenas ensaia uma fuga de sua rotina, sem script, o sofrimento acaba sendo o seu único destino. Assim, Carax permite-se não apenas brincar com os diferentes tons de personagens de seu protagonista, como também oferece uma irresistível humanidade para ele durante todo esse percurso.

Expondo desde o princípio a figura conflitante que há em seus personagens (a direção de arte já é perfeita ao demonstrar um quarto embaixo de um cinema, onde observamos duas camas separadas, florestas como papel de parede e uma janela destoando daquela realidade), a trama acompanha a rotina de um homem que vive inúmeros personagens durante seu dia. A pergunta que se sucede na narrativa acaba sendo: até onde aquilo é real e o que move Oscar a personificar diferentes pessoas, seu trabalho?

E mesmo que demore em responder essa pergunta, Carax vai dando dicas a todo o momento do que realmente está acontecendo (como a conversa na limusine ou a leitura de roteiro). Se em determinado momento somos compelidos a pensar que aquilo tudo pode não passar de um sonho de Oscar; noutro momento, considera-se que a história do ator que muda de cenário e roteiro para fugir de sua própria vida é a única realidade provável.

Seja como for, o que importa para Carax é a confusão psicológica de seu Oscar (Denis Lavant, perfeito!) e o que cada etapa leva ao pensamento daquele homem. No primeiro momento, por exemplo, notamos a visão mais adolescente de riqueza, um empresário; após esse momento, quando o dinheiro começa a pesar, o personagem encarna um mendigo; depois, apenas os movimentos importam numa emblemática cena divida com Kylie Minogue; em seguida, como sanfoneiro, consegue se enturmar, pela música, com outras pessoas que o seguem. Ainda que tudo seja parte de um grande roteiro em que Oscar segue a risca pelo “prazer do ato”, o diretor aproveita para dar profundidade ao seu personagem por essas situações vividas por ele.

Como se não fosse o bastante, Carax ainda passa a brincar com os episódios dando um dinamismo para cada um deles: a saída do monstro de um bueiro, com a trilha pontuando os momentos mais tensos, e o destaque do lugar por uma espécie de iris shot é um perfeito exemplo. Da mesma forma, a modelo vivida por Eva Mendes, que é sua presa, aparece sem vontade própria, apenas como uma presença imóvel e sem forças, retratando o seu uso como objeto. Ou, até mesmo, Oscar e a simbólica morte de si mesmo durante um dos seus atos.

No fim, o grande acerto de Leos Carax é não proporcionar para seu público respostas fáceis, e deixar perguntas persistindo mesmo após o término do filme. Afinal, o mundo em que estávamos inseridos fazia parte de uma grande encenação? O que fica de certeza é que o diretor conseguiu uma bela maneira de desacordar o público e dar a ação refletida numa bizarra conversa ocorrida durante seu clímax. Em outras palavras, Holy Motors consiste num fantástico estudo de personagem e levanta dúvidas em nossas mentes de até onde tudo aquilo era somente um papel.

30 de novembro de 2012

Origem dos Guardiões, A

The Rise of the Guardians, EUA, 2012. Direção: Peter Ramsey. Roteiro: David Lindsay-Abaire, baseado no livro de William Joyce. Vozes: Alec Baldwin, Hugh Jackman, Isla Fisher, Chris Pine, Jude Law. Duração: 97 min.

Uma das maiores qualidades em termos de experiência que a animação pode nos oferecer é o regresso, mesmo que por alguns instantes, para a nossa infância. Aquele momento que parece nos fazer respirar a mesma história que move aqueles personagens e entender cada ação tomada por seus protagonistas, mesmo que soe completamente inverossímil. A aventura que somente aquele conto de fadas contado por nossos pais parece alcançar. E tanto faz quais são os personagens que farão parte desse retorno ao passado: pode ser tanto um desconhecido Lorax (que não obteve êxito), a desconhecida princesa Merida (que é maior que seu próprio filme) ou vir na forma de uma união entre vários personagens conhecidos apenas em nossos sonhos mais infantis. A Origem dos Guardiões se move basicamente por essa última cartilha, resgatando-nos aos tempos mágicos em que tudo parecia possível apenas acreditando em algo e ao mesmo tempo nos divertindo com personagens tão simpáticos quanto os desenvolvidos na narrativa.

E mesmo que conte com figuras desconhecidas pelo público brasileiro, como Jack Frost ou Sandman, o roteiro de David Lindsay-Abaire, baseado no livro de William Joyce, sai-se muitíssimo bem na tarefa de apresentá-los de forma orgânica e natural durante todo o percurso. Além disso, o roteirista consegue dar uma importância tão grande para os dois personagens quanto os mais conhecidos fada do dente, coelho da páscoa e papai noel, além do bicho papão. O roteiro também age bem em conseguir intercalar sua mensagem com diálogos nada burocráticos ou tediosos (além de ter um belo timing - “Quem é Jack Frost? É só uma expressão. Ei!”).

Do mesmo modo, o diretor Peter Ramsey é certeiro ao dosar a ação da trama em conjunto com os conflitos internos de seus personagens, mesmo que falhe em alguns momentos. Desde sua primeira aparição, por exemplo, Jack Frost mostra-se uma figura absolutamente fascinante e solitária – e a forma como é construída as suas ações com as crianças e, ao mesmo tempo, sua invisibilidade perante a descrença delas é adequadamente profunda. Assim, pontuando essa particularidade do protagonista e salientando a busca de seu cerne, o filme consegue ter uma solidez ao seu final mostrando como chegamos até ali.

Contudo, mais do que um filme emocional, a aventura conduzida por Ramsey é um estimulante e divertido entretenimento guiado por figuras simpaticíssimas. Administrando o ritmo eficientemente e criando ótimas sequências – pessoalmente, minhas favoritas são a da aurora boreal, a homenagem a Jurassic Park e a entrega de presentes –, as batalhas são suficientemente empolgantes e as diferentes ambientações são sempre bem coordenadas. A trilha sonora de Desplat, por exemplo, pontua bem o momento mágico que a trama está situada para depois dar lugar ao pesadelo fornecido pelo “bicho papão”.

E, mesmo que soe piegas em alguns momentos, a verdade é que A Origem dos Guardiões acaba se revelando a melhor animação lançada em 2012. Está longe de ser perfeito, mas é um filme encantador e que assume o papel que outros do gênero apenas tentaram esse ano.

30 de outubro de 2012

007 - Operação Skyfall


Skyfall, Inglaterra/EUA, 2012. Direção: Sam Mendes. Roteiro: Robert Wade, Neal Purvis e John Logan, baseado nos personagens de Ian Fleming. Elenco: Daniel Craig, Javier Bardem, Judi Dench, Ralph Fiennes, Naomi Harris, Bérénice Marlohe, Albert Finney, Ben Whishaw e Rory Kinnear. Duração: 143 min.

Se pegarmos os 23 filmes oficiais do agente britânico James Bond, pode-se observar que o mesmo espião já foi abordado de inúmeras formas e atmosferas: algumas mais intensas, outras mais voltadas ao cômico, umas que beiravam ao surreal e outras com toques mais pesados (a era de Dalton, principalmente). Não é incomum, portanto, a maneira como Sam Mendes o aborda nesse novo exemplar da franquia, mantendo uma abordagem tão realista quanto aquela vista no excepcional Cassino Royale – filme que marcou o início de Daniel Craig na pele de 007. Ainda assim, o diretor pode não ser tão marcante na forma como explora o realismo do personagem, mas certamente será lembrado por introduzir uma visão muito mais pessoal à trama e, com isso, ser dono de um dos melhores filmes do agente.

Escrito pelos habituais roteiristas Robert Wade, Neal Purvis (que inexplicavelmente são as mesmas mentes de Um Novo Dia Para Morrer) e por John Logan (estreante na franquia), baseado nos personagens de Fleming, a trama segue o roubo de um acessório que contém o nome de todos os espiões britânicos que estão em missão. Faz parte do trabalho de James Bond recuperar esse disco e salvar todos os seus colegas que se veem imediatamente em perigo mortal.

Apesar de ser um filme ímpar dentro do contexto da franquia 007, Operação: Skyfall tem algumas similaridades com um dos piores filmes da era Brosnan: Um Novo Dia Para Morrer. E não é muito difícil observar o porquê – o longa-metragem também conta com o agente obtendo graves ferimentos durante a sequência dos créditos iniciais, diagnosticado como inapto a voltar ao trabalho e descobre que há um agente traidor (nesse caso, um ex) em solo inglês. A grande diferença está presente na maneira como a narrativa é conduzida e na atmosfera medida pelo seu realizador, Sam Mendes.

E, aqui, o diretor quer deixar claro a sua marca desde o começo, quando observamos Bond transparecendo ares de humanidade ao ver um agente morto em um sofá ou quando observamos uma leve crise de identidade com o governo britânico após os créditos iniciais. Claro que as grandes explosões, ação desenfreada (o início com a perseguição sobre um trem é excepcional), perseguições de carro e mulheres deslumbrantes também estão presentes, mas o mais importante para Mendes é adaptar o agente à sua própria visão. Assim, aliado com a fotografia brilhante de Roger Deakins (que produz cenas lindíssimas em contraluz), o diretor executa tomadas que apresentam 007 de uma maneira bem mais próxima à realidade: alguém que tem seu instinto patriótico acima de sua própria sobrevivência (“Coração: alvo; assassinato: trabalho.”).

Igualmente é sua perspicácia em takes curiosos e interessantíssimos que demonstram as particularidades do mundo em que estamos inseridos – observe, por exemplo, a sequência de caixões com a bandeira da Inglaterra e como as cores vermelhas formam algo como um rastro de sangue até M. Ou note a maneira como o personagem de Bardem é revelado na trama: visualizado de longe e se aproximando aos poucos de forma ameaçadora até surgir em um contra-plongeé belíssimo. Mendes até mesmo se atreve a brincar com a virilidade exposta dos dois personagens em um ensaio de testosterona pura (“por que você acha que é minha primeira vez?”) e na química absurda dos dois atores – Javier Bardem divertidíssimo.

Além disso, não se pode deixar de salientar outros planos excepcionalmente executados pelo diretor: como aquele em que vemos se formar um coração na maneira como que os corpos de Bond e Sévérine se entrelaçam durante uma transa no chuveiro; mais uma vez um interesse contra-plongeé que consegue mostrar Bardem imponente até durante sua prisão; na tensa cena em que acompanhamos apenas os passos do agente enquanto espera a melhor maneira de atacar um dos vilões; ou, até mesmo, quando observamos um Martini sendo servido de forma curiosa e sem ser nada expositivo. Do mesmo modo, Mendes e Deakins também são admiráveis nos seus planos-detalhes – seja quando vemos 007 entrando em ação e a frieza contida em seus olhos ou na cena em que vemos Sévérine tremendo ao empunhar um cigarro e falar sobre Silva.

E se Javier Bardem constrói um dos melhores vilões da franquia, ao conferir a Silva uma qualidade cibernética ao mesmo tempo em que demonstra o prazer do trabalho de campo (contendo cenas que surgem cômicas e tensas quando o vemos diante de M ou num fascinante tiro ao alvo); Daniel Craig, finalmente, mostra-se muito mais à vontade no papel principal do que em ocasiões anteriores. E mesmo sem o charme e eloquência de Moore ou o talento de Connery, o ator consegue criar o Bond que sempre foi almejado por Dalton, por exemplo: alguém que ao mesmo tempo em que possui uma reprimida humanidade, esbanja frieza nas mais temíveis situações. E encontra até mesmo um timing muito mais agradável e sensível nesse novo filme (“o prédio vai abaixo, mas ainda conseguem salvar essa coisa”).

Sem esquecer-se do que sempre fez James Bond ser visualizado como o sonho social-machista (bem arrumado, galanteador, vive em meio de jogos, cigarros, mulheres, bebidas e defende bravamente seu país – e como não perceber a influência americana ao ver a bandeira inglesa exposta exacerbadamente no terceiro ato?), Sam Mendes consegue criar uma visão intimista e interessante para 007, que pode até ser considerada atípica. Assim, ao meio das inteligentes citações de ratos durante a narrativa, Operação: Skyfall não apenas consegue o status de um dos melhores filmes da franquia nesse percurso, mas de um dos melhores do ano.

Obs: Os créditos iniciais, com a música-tema de Adele, são os melhores de toda a franquia.


26 de outubro de 2012

As Vantagens de Ser Invisível

The Perks of Being a Wallflower, EUA, 2012. Direção: Stephen Chbosky. Roteiro: Stephen Chbosky, baseado em seu próprio romance. Elenco: Logan Lerman, Emma Watson, Ezra Miller, Mae Whitman, Paul Rudd, Dylan McDermott, Kate Walsh, Nina Dobrev e Melanie Lynskey. Duração: 103 min.

As Vantagens de Ser Invisível se move basicamente pela cartilha de um filme “indie”, uma vez que temos: o adolescente solitário, problemático, mas inteligentíssimo (e que apesar de saber mais do que qualquer garoto de sua idade – pasmem! – começa a adquirir livros apenas perto do fim do colegial); um dos rapazes mais descolados da escola, que necessariamente será excêntrico; a garota rebelde que tem um interior muito mais humano; o professor de inglês que é um escritor genial incompreendido; e, obviamente, a amiga interessantíssima que será o interesse romântico do protagonista, mas só se apaixona pelos caras errados. Visto dessa forma, pode parecer que o filme é levado ao lugar comum do gênero e que não tem nenhum tipo de qualidade; todavia, no final da narrativa, As Vantagens de Ser Invisível se mostra muito mais complexo do que aparentava ser e consegue nos aproximar tanto de seu trio principal, que terminamos a narrativa com um leve sentimento de perda.


E isso poderia ser completamente perdido no roteiro escrito por Stephen Chbosky, baseado em seu próprio romance, que aborda o solitário Charlie (Lerman) na tentativa de apenas sobreviver ao seu período escolar depois da morte de seu melhor amigo. Afinal, Charlie não difere de muitos garotos de sua idade: sofre um constante bullying, é dono de uma timidez inflexível e a única pessoa que quer sua amizade é o professor que vê potencial no jovem rapaz. Mas Lerman continuamente soa de forma muito natural e verossímil, como se estivéssemos vendo um documentário sobre a vida de um futuro escritor ou algo do tipo. E mesmo que algumas decisões tentem o tornar um rapaz desajeitado e tolo, como muitos personagens do gênero são, por diálogos risíveis (“Por que as pessoas certas se apaixonam pelas pessoas erradas?”), Logan Lerman demonstra uma maturidade muito grande ao lidar com uma complexidade acentuada no clímax e a qual não esperávamos.

Da mesma forma, o carisma, simpatia e talento de Emma Watson e, principalmente, Ezra Miller surgem extremamente beneficentes ao longa-metragem, trazendo um entrosamento ímpar aos personagens e que nos faz sentir ainda mais íntimos daqueles momentos vividos por eles. Seja em um curioso jogo de verdade/consequência, numa troca de presentes ou em momentos mais emocionais, como na visita de Sam e Patrick para Charlie.


Assim, contando com a química de seu elenco, o diretor obtém tempo e disposição para planos bem executados (como aqueles em que insistem em apresentar o protagonista sozinho no meio de uma multidão e depois expõem o trio da mesma forma) e para uma coesão narrativa deveras surpreendente. Aliás, mesmo que os flashes e alucinações soem meio deslocados na trama, não há como negar que, ao final da narrativa, eles se mostram muito mais do que necessário. E pare nesse trecho se você ainda não viu o filme. (Por exemplo, a maneira como Chbosky não escancara o abuso sexual sofrido durante a infância pela tão “amada” e lembrada tia, demonstra-se não apenas uma decisão certíssima, como também curiosa na forma como é desencadeada – durante um ato sexual, algo que a própria psicologia discorre. Igualmente, a cena em que Patrick e Charlie vão dar um passeio e o primeiro acaba beijando o amigo em um momento de desamparo, mostra-se muito madura pela forma como é desenvolvida e pela própria reação de Charlie ao não retribuir o beijo, mas entender o amigo ao mesmo tempo). Pode-se retomar a leitura a partir do próximo parágrafo.


Ainda que falhe por exagerar demais em certos pontos – destacando alguns estereótipos e alguns diálogos (“Eu me sinto infinito”) –, As Vantagens de Ser Invisível é uma grata e adorável surpresa que conta com inspirados e promissores protagonistas. Um percurso tão encantador quanto um passeio de carro ao som de David Bowie.

16 de outubro de 2012

Entidade, A



Sinister, EUA, 2012. Direção: Scott Derrickson. Roteiro: Scott Derrickson e C. Robert Cargill. Elenco: Ethan Hawke, Juliet Rylance, Fred Dalton Thompson, James Ransone, Michael Hall D'Addario, Clare Foley. Duração: 110 min.

A Entidade se move basicamente pela ideia de que o arrepio é tão importante quanto os sustos. Dessa forma, Scott Derrickson tenta criar uma trama que, ao mesmo tempo, em que instiga o espectador a querer saber mais sobre o mistério, assusta-o tanto quanto o protagonista neste percurso. Assim sendo, o diretor encontra substância não apenas na atmosfera, mas em como desenvolve essa parcela de sustos – mesmo que falhe durante alguns momentos ao mostrar o pragmatismo do gênero em abundância.

Escrito pelo próprio Derrickson (que também já havia mostrado talento em Emily Rose), em parceria com o estreante C. Robert Cargill, a história gira em torno do escritor Ellison Oswalt que teve seus quinze minutos de fama há muito tempo com uma espécie de “A Sangue Frio” moderno e tenta encontrar em um novo caso o seu próximo best-seller. Porém, o que o jovem escritor encontra na casa em que se muda é algo muito mais aterrorizante do que apenas uma nova cena de crime.

Alternando entre o burocrático e o atraente, o diretor aborda cada um de seus planos como se tentasse achar o ritmo certo em pontos chaves da trama: algo que acaba sabotando um pouco a pretensão do projeto. Não que o diretor não saiba fazer o básico do gênero, oferecendo uma boa profundidade de campo em corredores escuros ou realizando cortes secos na aparição de certos espíritos, mas não consegue ser seguro o suficiente para saber qual o caminho que deve percorrer.

Aliás, uma das palavras chaves do projeto é a falta de atrevimento de seu realizador. Derrickson, por exemplo, insiste, nos momentos mais chocantes da narrativa, a desviar a atenção da cena em questão (principalmente as cenas envolvendo snuff film) para ressaltar sua técnica atrás das câmeras. Não que isso apareça de forma errônea, pois o simbolismo da cena em questão (notamos as mortes no reflexo dos óculos do escritor, como se olhássemos do ponto de vista dele) é extremamente coerente e interessante, apenas peca um pouco na falta de ousadia.

Entretanto, quando o diretor acerta no ponto que procura e no mistério envolvendo as supostas aparições, o filme ganha ares mais clássicos. A resolução do mistério por si só já soaria interessantíssima, apenas por descobrirmos o modus operandi do “serial killer” e os responsáveis pelas mortes registradas em vídeo, ainda que mais uma vez o longa pudesse trilhar por um caminho menos didático. Além disso, Derrickson consegue demonstrar em seus personagens o sofrimento da família visto na pele do pai (e, mais uma vez, tem que se aplaudir a resolução em que simplesmente decidem ir embora do local) e oferece certa profundidade ao evidenciar os problemas que Ellison enfrenta com o desaparecimento de sua fama passada e seu problema com a bebida.

Finalmente, o diretor outra vez ensaia uma luta ciência x demônios ao mostrar novamente a possessão como o principal ponto do filme, algo que já tinha abordado com sucesso em O Exorcismo de Emily Rose. E se mostra um pouco mais à vontade na direção (a elipse com Hawke no sofá ou a incrível cena em que as crianças perseguem o personagem pela casa demonstram isso), mesmo que ainda passe certa insegurança pela falsa familiaridade com o gênero. Mesmo assim, A Entidade consegue êxito em levar ao espectador a sentir o desconforto que tanto necessita e nesse meio tempo ainda versa uma profundidade não tão comum a esse tipo de cinema.

21 de setembro de 2012

Ted

Idem, EUA, 2012. Direção: Seth MacFarlane. Roteiro: Seth MacFarlane, Alec Sulkin e Wellesley Wild. Elenco: Mark Wahlberg, Mila Kunis, Joel McHale, Giovanni Ribisi, Patrick Warburton, Matt Walsh, Jessica Barth, Aedin Mincks, Sam J. Jones, Norah Jones, Tom Skeritt, Patrick Stewart e Seth MacFarlane. Duração: 106 minutos.

Nunca é bom estabelecer hipérboles ao começar uma crítica cinematográfica, mas não seria justo deixar de afirmar que sem dúvida alguma Seth MacFarlane é uma das melhores coisas que já surgiram na comédia americana. E não há como começar a falar sobre Ted sem mencionar o humor escrachado e inesperado de seu realizador, pois o segredo do filme reside basicamente nesses aspectos: o sarcasmo, a crítica social e o incomum de MacFarlane são os principais responsáveis por tornar Ted a melhor comédia do ano.

Escrito por Alec Sulkin, Wellesley Wild e Seth MacFarlane, que também dubla o personagem-título, a história gira em torno do pequeno John que deseja que seu ursinho de pelúcia, Ted, ganhe vida. Mal sabe o garoto que nada é mais forte que o desejo de uma criança (“bem, a não ser que você seja um helicóptero apache”) e o seu pedido acaba sendo atendido. Porém, já adulto, John terá que decidir se a amizade feita na sua infância é ou não é mais importante que o seu relacionamento com sua namorada, Lori.

Utilizando aspectos conhecidíssimos em outra criação sua, Family Guy, MacFarlane utiliza um arsenal de momentos imprevistos e impensados na construção de sua narrativa – e isso habita desde momentos mais claros, a excelente e espirituosa narração pontual, até momentos mais “perspicazes”, como os clipes que ressaltam os momentos em que os personagens se conheceram ou quando passam por uma situação desconcertante. Do mesmo modo, a magia que é salientada sendo trocada por algo mais satírico é perfeitamente construída e responsável por sequências impagáveis: o momento em que um apresentador aponta descontrolado “olhe o que Jesus fez!” é o melhor deles.

Além disso, assim como na já citada série Family Guy, o diretor se beneficia de um personagem brilhantemente criado e que já provoca risadas apenas no contexto em que está inserido; dessa forma, mesmo as ações convencionais, como uso demasia de drogas ou o uso recorrente do politicamente incorreto, sempre aparecem de forma acertada. Aliás, o politicamente incorreto presente no longa-metragem nunca soa como algo gratuito ou inconsequente, acertando até nesse aspecto – e observe, por exemplo, as cenas em que Ted brinca com o fato do garoto gordo correndo ou o personagem classificando os peixes de um aquário para notar isso.

Beneficiando-se, ainda, de diálogos hilariantes (“Ela está esperando algo maior: sexo anal?”, “Épocas em que os garotos se reúnem para bater em judeus”) e precisos (“Sei que não sou um ursinho falante, mas você não precisou realizar um desejo para me ter”), Ted apenas falha em sua principal trama, a injusta escolha de John, onde caminha por terrenos mais seguros. Mas nem isso consegue obstruir a confiança de MacFarlane na história que possui em mãos, pelo contrário, ainda encontra tempo para fazer críticas sociais durante o longa-metragem – observe, por exemplo, a cena em que o pai conservador manda a esposa pegar a arma para atirar em Ted ou na maneira como os jornais abordam a fama. Como se não fosse o bastante, mostra-se bastante seguro como diretor, conseguindo conferir rapidez e dinamismo (a cena da festa com Sam Jones é seu melhor momento) e ares mais sóbrios quando as cenas mais dramáticas requerem isso.

E enquanto Mark Wahlberg consegue convencer em sua aura mais imatura, mas que ao mesmo tempo luta para ser aquilo que sua namorada deseja, Sam Jones se destaca por ser ele mesmo e Mila Kunis é sabotada pela unilateralidade de sua personagem; Seth MacFarlane constitui a voz de Ted de forma perfeita por salientar a passagem de voz da infância para a maturidade com todos os anos tomados pelo álcool, drogas e a bagagem que aquele personagem teve durante sua fama.

Por fim, criando também gags visuais eficientes (não dá para deixar de citar Ted vestido de Yoda na fila de Star Wars), MacFarlane demonstra que é possível fazer comédias politicamente incorretas sem ser ofensivo durante esse percurso. E, nessa perspectiva, Ted pode representar muito mais do que uma exceção para o gênero durante esse ano; pode ser a afirmação de seu realizador como um dos maiores expoentes da comédia atual de qualidade.

19 de setembro de 2012

Polissia

Polisse, França, 2011. Direção: Maïwenn. Roteiro: Maïwenn e Emmanuelle Bercot. Elenco: Karin Viard, Joey Starr, Marina Foïs, Maïwenn, Nicolas Duvauchelle, Karole Rocher, Emmanuelle Bercot, Frédéric Pierrot, Arnaud Henriet, Naidra Ayadi, Jérémie Elkaïm, Riccardo Scamarcio e Sandrine Kiberlain. Duração: 127 minutos.


Há um fator do francês Polissia que é extremamente relevante para toda sua condução: o tema explorado é constantemente tratado com o melodrama num excesso exaustivo. Diante dessa perspectiva, a novata Maïwenn procura avançar não apenas em aspectos mais intensos e dramáticos, como também busca harmonizar ares mais vivos e naturais – proporcionando para o espectador uma experiência que é rica na área central do longa-metragem (a atuação daqueles policiais) e estimulante pelas adjacências que envolvem os protagonistas.

E isso de certa forma é muito curioso, pois no começo da narrativa somos introduzidos em tantas histórias e com tão diferentes subtramas que é surpreendente que saiamos do filme conhecendo o nome de mais do que três personagens abordados. Entretanto, mesmo com tudo conspirando contra si, a diretora consegue conduzir com segurança cada uma das histórias até o final e revela uma face que foge do convencionalismo.

Escrito por Emmanuelle Bercot e Maïwenn, que também atua, a trama gira em torno dos membros da Brigada para a Proteção de Menores que possuem uma dolorosa missão todos os dias: investigar inúmeros casos de abuso infantil, pedofilia e sequestro de crianças. Cada um desses policiais, à sua maneira, também possuem seus próprios problemas e situações em suas vidas pessoais – algo que acaba evoluindo com o passar da história e encontrando respaldo nas situações sofridas por cada um.

Buscando oferecer um equilíbrio desde o inicio para suas situações mais dramáticas e outras mais leves, Maïwenn versa um contraste recorrente que envolve os policiais em suas investigações e os sorrisos de crianças ou momentos mais despojados (como a cena da pista de dança). Dessa forma, a diretora acerta em passar os diferentes tipos de personalidades de seus personagens (e observe que Iris é sempre a que menos se diverte nesses períodos de descontração) e evidenciar seus respectivos sentimentos com o que trabalham.

Do mesmo modo, aposta nas particularidades de cada cena: partindo da premissa que o olhar, o gesto, vale mais do que a literalidade de uma ação, por exemplo. Assim, o filme ganha ainda mais peso pelas atuações de seu elenco. E se Marina Foïs consegue conter todas as suas emoções tanto em casa quanto no serviço, sem grande afetação, e a personagem de Karin Viard demonstra ser a mais intensa; é Joey Starr o grande destaque do longa-metragem, encarnando Fred com compaixão e frieza em momentos alternados.

Desnudando aos poucos cada particularidade de seus personagens e gerando uma estável simpatia nutrida pelo espectador para com aquelas pessoas, o filme é mais uma agradável surpresa do cinema francês nesse ano. E é culminando num clímax “imprevisto” e acabando um minuto após o esperado, que Polissia mostra que muito mais do que um filme comum do gênero, tornou-se quase um real documentário de emoções genuínas de diferentes tipos de seres humanos.

6 de setembro de 2012

O Legado Bourne


The Bourne Legacy, EUA, 2012. Direção: Tony Gilroy. Roteiro: Tony e Dan Gilroy. Elenco: Jeremy Renner, Rachel Weisz, Edward Norton, Scott Glenn, Stacy Keach, Donna Murphy, Michael Chernus, Corey Stoll. Duração: 135 minutos.

Não seria exagero afirmar que a trilogia Bourne figura entra as mais importantes do cinema de ação nos últimos anos. Com um ator extremamente carismático, competente e situações que não julgavam a inteligência de seu público, os primeiros exemplares da trilogia conseguiram manter um espectador fiel aos contornos e extensões que aquela trama iria percorrer – o que culminou nos excepcionais (e ligeiramente pretensiosos) capítulos dirigidos por Greengrass. É uma pena, portanto, que o “legado” do agente não tenha sido explorado da melhor forma possível e o que observamos nesse recomeço seja uma trama sem inspiração, insípida e inconsequente.

Escrito e dirigido pelo promissor Tony Gilroy (que aqui adverte uma total incapacidade para dirigir um longa dessa magnitude), também roteirista dos outros três filmes, a trama gira em torno de Aaron Cross – um dos agentes que se submeteu ao mesmo projeto de recrutamento de Jason Bourne, um programa conhecido como Treadstone. Depois de um vídeo que abalaria por completo todo o projeto realizado até então que envolvia esses super agentes, pessoas envolvidas no governo começam uma queima de arquivo para proteger seus interesses; porém, não contavam que mais uma vez uma dessas pessoas sobrevivesse e pusesse todo o esquema a perder.

Mostrando uma direção extremamente insegura desde os primeiros momentos da narrativa, Gilroy parece apostar que apenas mudar de uma ação para outra durante o longa seria o suficiente para trazer algum tipo de dinâmica ou ritmo. Do mesmo modo, o diretor aplica flashbacks constantes e deslocados – observe, por exemplo, quando é mostrado como o personagem de Norton conheceu Cross e seu acréscimo para a trama: nada. O diretor também transparece sua completa inexperiência nas tramas de ação ao apostar nos convencionais cortes rápidos, trazendo sequências incompreensíveis; e há de se ressaltar que a estúpida “homenagem” feita ao filme Exterminador do Futuro 2, em determinado momento, não apenas consegue destoar completamente da trama que era apresentada até ali, como também soa extremamente desapropriada.

Como se não fosse o bastante, o diretor/roteirista também não parece saber para onde encaminhar sua história e demonstra sua fragilidade ao tentar transmitir de forma desconcertante a compaixão de Aaron pela vida no primeiro ato. Além disso, busca continuamente diálogos expositivos tentando taxar cada um de seus personagens – e a apresentação de um vilão estereotipado feita no segundo ato, somente para trazer algum tipo de clímax para uma história que não saía do lugar, é lamentável.

E se por um lado Matt Damon trazia uma complexidade para um personagem que transitava entre momentos frios e de indulgência, o personagem de Jeremy Renner nunca consegue soar no mínimo carismático ou intrigante – fazendo com que o filme torne-se um exercício de paciência. Rachel Weisz, ao mesmo tempo, também surge como alguém totalmente dispensável para a trama ao não conseguir transmitir nenhum tipo de empatia ou química com Aaron e, sua importância para o projeto ser praticamente nula, como a própria gosta de salientar.

Prolongando-se demais e contando com um terceiro ato que prejudica ainda mais o futuro da franquia no cinema, ao seu final, O Legado Bourne soa apenas como uma desinteressante trama super-agente-inteligente-explosivo e um filme extremamente embaraçoso ao que os longas de Greengrass haviam acarretado até aqui. E não há como não achar curioso e irônico quando a Dra. Shearing afirma numa situação que queria que eles estivessem perdidos; porque, afinal, nada conseguiria ser mais pertinente: eles estavam.

4 de setembro de 2012

O Ditador


The Dictator, EUA, 2012. Direção: Larry Charles. Roteiro: Sacha Baron Cohen, Alec Berg, David Mandel e Jeff Schaffer. Elenco: Sacha Baron Cohen, Ben Kingsley, Anna Faris, Jason Mantzoukas, Chris Elliot, John C. Reilly. Duração: 83 minutos.

Depois de seus últimos filmes, já há como observar que Sasha Baron Cohen é constantemente sabotado pelo mesmo fator que é sua maior qualidade: o exagero. Se em Borat, o abuso constante era sempre preciso e nunca soava como algo extremamente forçado; em Bruno, esse quesito já não era mais uma novidade. Contudo, em “O Ditador” Cohen volta à boa forma em uma trama que, ainda que tenha diversos problemas em seu percurso no excesso do ator, consegue criar sequências hilárias e impensáveis, gerando uma obra que alterna entre tola e marcante.


Escrito por Alec Berg, David Mandel e Jeff Schaffer, além do próprio Cohen, a história acompanha o ditador Aladeen e sua ida para os EUA para discursar na ONU sobre o programa nuclear que seu país está desenvolvendo. Entretanto, Aladeen é sequestrado de seu hotel e uma conspiração para retirá-lo do poder e estabelecer a democracia de seu povo é desencadeada. O ditador, portanto, alia-se com uma antiga desavença para recuperar sua identidade e retomar seu trono; ao passo que faz uma inimaginável amizade com uma ativista


Estabelecendo desde o primeiro minuto o politicamente incorreto gritante que se tornou a marca dessa parceria, Larry Charles sempre trata de explorar o absurdo de cenas como o nascimento de um bebê com barba ou uma mulher morrendo em um parto, sufocada. Além disso, o diretor busca enaltecer (mas não consegue) a graça de cenas grotescas, como: o beijo nas axilas, as brincadeiras com o formato das armas nucleares ou na exploração sexual de atores de Hollywood, que são partes da parede de troféus de Aladeen. E, mesmo que certas decisões tomadas no primeiro ato consigam ter um potencial crítico, fica claro que os atores (incluindo o próprio Cohen) não conseguem encontrar o timing desejável – basta observar que mesmo as cenas em que o ditador aparece numa curiosa competição de atletismo ou jogando em seu castelo soam deslocadas.

 
Em contrapartida, chega a impressionar o quanto os problemas que o longa-metragem mantinha até então ecoam imperceptíveis quando os atores acertam no timing e as situações em que o ditador se envolve tornam-se hilárias. Assim, diálogos como “20 dólares por uma internet e eu que sou acusado de criminoso?” ou a situação que passa no bar em que é odiado ou as conversas no helicóptero afirmam o potencial que o filme tinha, mas ainda não havia conseguido encontrar – e as cenas em que mostram Aladeen no trabalho (principalmente os tapas em clientes provocadores e o sequestro da família de um fiscal) são as melhores do longa-metragem.

Ao mesmo tempo, o filme também acerta no tom e subverte as expectativas da previsibilidade que parecia estar surgindo. E há de se destacar a cena em que Aladeen ameaça pular de uma ponte, mas é convencido pelo amigo a ser o melhor ditador que o mundo já viu ou o intenso discurso sobre democracia e ditadura que faz no final da narrativa (“já imaginaram fraudar eleições? Mentir sobre Guerras? E mídias controladas por apenas uma família?”).

 
Pois, mesmo que o filme falhe em encontrar uma abordagem mais profunda, limitando-se a brincar superficialmente com o tema e investir numa história de amor improvável e desinteressante; no final, até o timing que não era encontrado antes ganha muito nas cenas mais excessivas (como na discussão acerca dos meninos de 14 anos, no parto ou na constante brincadeira com uma cabeça de um morto). No final, uma coisa é certa: Cohen precisa aprender a se conter mais nos seus maneirismos e exageros, pois –se já é aceitável agora –, quando conseguir, poderá se tornar um dos melhores atores de comédia de sua geração.

29 de agosto de 2012

Intocáveis


Intouchables, França, 2011. Direção: Olivier Nakache e Eric Toledano. Roteiro: Olivier Nakache, Eric Toledano. Elenco: François Cluzet, Omar Sy, Anne Le Ny, Audrey Fleurot, Clotilde Mollet, Alba Gaïa Kraghede Bellugi, Cyril Mendy, Dorothée Brière. Duração: 112 minutos.


Não há um filme recente que dê para comparar muito com o francês Intocáveis, talvez, 50% fosse o que mais se aproximasse – por dosar bem a situação dramática que certa pessoa vive ao mesmo tempo em que consegue extrair graça da situação mais terrível ou cruel. Assim, a tortura não seria apenas para o personagem de François Cluzet se algo saísse errado durante a narrativa e os atores nunca conseguissem estabelecer uma química crescente entre os dois personagens ou exibir um timing adequado para esse tipo de situação, mas o espectador também sairia prejudicado. Felizmente, isso nunca ocorre e o que vemos durante o pouco menos de duas horas de filme são situações extremamente cativantes e que fazem com que nós desejamos nos manter por perto daquelas pessoas pelo máximo de tempo que pudermos.


Escrito por Olivier Nakache e Eric Toledano (que também dirigem o longa-metragem), a história gira em torno de Driss, um jovem que acabou de sair da prisão e busca um seguro desemprego para que possa viver sem depender das custas de sua tia que o mandou para fora de casa. Nesse caminho, Driss conhece Philippe, um milionário que precisa de cuidados especiais por ter se acidentado durante uma experiência com uma asa-delta e ter ficado tetraplégico. Mesmo que seja uma parceria impensável, um gosta de Earth, Wind & Fire enquanto o outro de Chopin, os dois acabam desenvolvendo uma riquíssima e desejável amizade – deste modo, ambos encontram um complemento para suas tristes vidas até então.


Guiado pelos jovens Nakache e Toledano, Intocáveis surpreende por nunca perder o ritmo que alcança desde o primeiro minuto e tornar seus dois protagonistas como pessoas que queremos ter um vínculo a mais, permitindo que nos importemos com o destino de cada um deles. Ao mesmo tempo, os dois diretores são extremamente eficientes na maioria dos diálogos que produzem, alternando momentos inspirados dramaticamente (como quando o personagem de Omar Sy imediatamente se desloca até o aposento de Philippe para ajudá-lo em um momento de dor psicológica, mostrando uma humanidade que até então não havíamos visto) com períodos em que a graça acaba se tornando o melhor remédio para se lidar com certas situações.

E, certamente, isso não seria possível sem um timing e carisma impressionante dos dois atores principais, François Cluzet e Omar Sy, que desenvolvem cada personagem de forma incrivelmente natural. Se o primeiro transparece a dor da solidão que sente diariamente e encontra em Driss a figura presente que tanto necessitava; o segundo consegue transmitir de forma certeira esse modelo de libertinagem e respeito que o filme requer dele. Não à toa, Sy acerta em todos os seus momentos no filme – desde as situações mais cômicas em que tenta convencer Magalie a ir para a cama com ele, passando pelo aniversário de Philippe (“Tom & Jerry!”), até culminar na minha cena favorita do longa (a que os dois cantam September no carro enquanto os policiais conduzem os dois até o hospital).


Conseguindo não apenas criar gags visuais eficientes, como também usando o politicamente incorreto sempre de forma competente, Intocáveis acaba sendo uma inspirada e surpreendente comédia dramática. E quando nos deparamos com Driss ainda dando uma última ajuda para um receoso Philippe em determinado momento da narrativa, vemos que assim como o personagem de Cluzet não queremos abandonar todos aqueles momentos que passamos juntos, mas sempre os teremos na memória quando quisermos os revisitar.