30 de janeiro de 2012

Descendentes, Os

The Descendants, EUA, 2011. Direção: Alexander Payne. Roteiro: Alexander Payne, Nat Faxon e Jim Rash, baseado no livro de Kaui Hart Hemmings. Elenco: George Clooney, Shailene Woodley, Amara Miller, Nick Krause, Matthew Lillard e Robert Forster. Duração: 115 minutos.

Alexander Payne tem em seu currículo obras impecáveis, como: “Sideways – Entre umas e outras”, “As Confissões de Schmidt” e “Eleição”. Com uma filmografia tão impecável quanto os filmes da Pixar, Payne sempre foi conhecido por tratar de temas familiares comuns que geravam situações dramaticamente cômicas e sarcásticas sem nunca soarem piegas. Infelizmente, em Os Descendentes, Payne comete o equívoco que nunca havia cometido antes – ser permissivo com sua narrativa e guiar-se apenas no talento e química de seus protagonistas, sem nunca acreditar na situação que está mostrando em tela.

Escrito pelo próprio diretor e pelos estreantes Nat Faxon e Jim Rash, baseado no livro de Kaui Hart Hemmings, a história acompanha Matt King que depois de ter sua mulher vitima de um acidente de barco e em coma, passa a cuidar de suas filhas Scottie (Amara Miller) e Alexandra (Shailene Woodley). Quando é informado pelo médico de sua esposa que ela irá morrer em breve, Matt resolve fazer uma viagem para a área deixada por seus descendentes no Kauai e tentar uma reaproximação com sua filha mais velha.


Contando com a bela fotografia de Phedon Papamichael que consegue absorver traços de melancolia em meio às belíssimas paisagens em que seus personagens se encontram, Payne é natural ao estabelecer sua câmera sempre focalizada no rosto de seus protagonistas – como, por exemplo, na primeira cena em que vemos a esposa de Matt em seus melhores dias num Jet Ski. Aliás, a decisão de Payne de nunca demonstrar a esposa falando ou pensando antes do coma é definitivamente certa por não deixar nossas diferenças influenciar em gostar ou não da personagem e nos importar tanto quanto King quando surge o primeiro ponto de virada do roteiro.

Payne ainda consegue trazer não apenas planos belíssimos como a seqüência em que Clooney aparece subindo escadas que remetem a quadros – e observe como o protagonista tenta chegar a nós em meio a escadarias que tanto parecem um labirinto quanto retratos (numa clara alusão a figura que Matt, como pai, tem que ser um retrato em frente à sociedade) –, como também o sarcasmo sempre presente em suas obras. Note, por exemplo, quando Matt está falando ao telefone sobre sua filha dizendo o quanto ela é um anjo e vemos a mesma atirando cadeiras na piscina. Ou quando Clooney chega à casa de seus amigos depois de uma longa corrida e quando pergunta se chegou em má hora, os personagens respondem: “Não, estávamos apenas brigando”.

Aliás, os grandes méritos de Payne estão em seus diálogos afiados e na maneira como os relacionamentos entre os personagens vão se sucedendo. Podemos nos manter na mesma cena em que Clooney sai em direção a casa de seus amigos depois de receber a notícia de uma traição por parte de sua esposa e como Payne demonstra o personagem andando em círculos com placas de “Pare” e “Rua sem saída” em seu caminho. Da mesma forma, os diálogos ganham peso depois da descoberta do amante – tanto na maneira da relação entre pai e filha quanto com seus amigos e parentes. Um exemplo é quando Clooney responde para uma amiga de sua mulher: “Não me venha com clichês femininos de que a mulher nunca tem culpa”, “Vamos tirar ela tomada” e “Você estava passando batom em um cadáver”, o que nos remete, ao mesmo tempo, o sentimento de mágoa que o personagem está sentindo com o sarcasmo tão presente na dramaticidade de Payne.

Contudo, por mais que Payne consiga transmitir humanidade de seus personagens (ricos, em sua maioria), o diretor parece nunca acreditar em seus personagens e no que eles sentem, trazendo à tona gravíssimos problemas de roteiro. E mesmo que Matt transmita humildade tanto em suas roupas, chinelos e em não gastar seu dinheiro de forma incontrolável, em nenhum momento o roteiro mostra o porquê do protagonista simplesmente abandonar o negócio em que estava envolvido de forma extremamente ingênua. Porque mesmo que seu personagem uma ou outra vez demonstre sua incerteza quanto ao negócio que irá fazer, as únicas vezes que Matt sugere esse final previsível é quando descobre que o amante de sua mulher seria um dos principais beneficiados. O que não mostra apenas uma imaturidade de seu personagem, como também faz o público se dar conta do quão o protagonista pode ser mesquinho e vingativo – algo que é conflitante com todo o restante do longa-metragem.

Mas ao mesmo tempo em que Payne tenta sabotar seu próprio roteiro, seu elenco não deixa, administrando uma química invejável com o timing necessário para criar as singularidades que definem a filmografia do diretor. E se Amara Miller é a única que destoa da competência do elenco ao abordar a pequena Scottie sempre num dominante overacting, Nick Krause é uma bela surpresa ao conferir a Sid não só uma dramaticidade surpreendente ao conversar com Matt no segundo ato, como também algumas das melhores frases do filme: “quanto suas filhas, bem, eu trocaria por filhos”.

Correspondendo de uma ótima maneira a sintonia entre pai e filha, ainda que peque em transparecer o porquê dos dois estarem tão afastados (mais uma vez culpa da superficialidade do roteiro), Shailene Woodley é um dos maiores destaques do longa ao administrar de forma admirável a química com Clooney e protagonizar duas das melhores cenas do filme: a do hospital e a na casa em que Speer está hospedado em Kauai. Note, por exemplo, a preocupação com o pai na cena em que Clooney briga com Sid no carro e na atenção que ela dá ao pai com medo de algum surto. Ou quando os dois já bem resolvidos começam a comentar sobre sua mãe ter preferido Speer.

E é criando um personagem num misto de mágoa e cansaço que Clooney é o grande responsável pelo melhor de Os Descendentes. Sempre mantendo as mãos trêmulas e ansiosas em momentos dramáticos, como quando descobre a traição, ou em seu desviar de olhar e suspiro triste quando alguém fala de sua esposa, Clooney é soberbo ao retratar Matt como uma pessoa que ainda que não consiga esconder a mágoa do fato de sua mulher ter o trocado – como na cena em que fica sozinho com sua mulher no hospital e começa a gritar –, tenta aproximar-se de suas filhas de um modo que tente mostrar para sua esposa o quanto ele pode ser um bom marido e um bom pai. E note como nos primeiros momentos do filme, Clooney geralmente levanta as mãos como se perguntasse: “O que vocês esperam de mim?”. Ainda, Clooney não apenas acerta ao conter sua emoção quando o pai de Elizabeth tenta lhe atingir com “ela sempre foi uma esposa fiel”, como também dá um basta na geração de atores que não conseguem chorar ao trocar suas confidências finais com sua esposa no comovente último ato. E não posso deixar de citar como Matt não consegue se livrar das lembranças de sua esposa e sempre aparece com camisas azuis, curiosamente a mesma cor presente nas paredes do hospital, e como o personagem troca por uma camisa vermelha quando viaja para Kauai.  

Com uma trilha que traz um clima de lual depressivo, fazendo um contraste ainda mais peculiar com a abordagem pessimista de Payne em meio ao otimismo de seus personagens, Payne erra mais uma vez ao trazer talvez pela primeira vez em sua carreira um final tristemente previsível e sem quaisquer vislumbres de seu potencial. Assim, o diretor ironicamente consegue trazer ao espectador o mesmo clima de mágoa e cansaço que o protagonista principal, mas por ter sido pela primeira vez conivente com os clichês que um filme dramático pode proporcionar e que estão cada vez mais comuns. E ainda que consiga mostrar todo seu potencial por intermédio de seus atores e em alguns planos belíssimos, Payne parece acreditar que sua cena final representa um recomeço para seus três personagens sentados em um sofá quando somente demonstra como sua abordagem pessimista presente no filme havia sido esquecida apenas para um comum e enfadonho: “E viveram felizes para sempre...”.

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