29 de agosto de 2012

Intocáveis


Intouchables, França, 2011. Direção: Olivier Nakache e Eric Toledano. Roteiro: Olivier Nakache, Eric Toledano. Elenco: François Cluzet, Omar Sy, Anne Le Ny, Audrey Fleurot, Clotilde Mollet, Alba Gaïa Kraghede Bellugi, Cyril Mendy, Dorothée Brière. Duração: 112 minutos.


Não há um filme recente que dê para comparar muito com o francês Intocáveis, talvez, 50% fosse o que mais se aproximasse – por dosar bem a situação dramática que certa pessoa vive ao mesmo tempo em que consegue extrair graça da situação mais terrível ou cruel. Assim, a tortura não seria apenas para o personagem de François Cluzet se algo saísse errado durante a narrativa e os atores nunca conseguissem estabelecer uma química crescente entre os dois personagens ou exibir um timing adequado para esse tipo de situação, mas o espectador também sairia prejudicado. Felizmente, isso nunca ocorre e o que vemos durante o pouco menos de duas horas de filme são situações extremamente cativantes e que fazem com que nós desejamos nos manter por perto daquelas pessoas pelo máximo de tempo que pudermos.


Escrito por Olivier Nakache e Eric Toledano (que também dirigem o longa-metragem), a história gira em torno de Driss, um jovem que acabou de sair da prisão e busca um seguro desemprego para que possa viver sem depender das custas de sua tia que o mandou para fora de casa. Nesse caminho, Driss conhece Philippe, um milionário que precisa de cuidados especiais por ter se acidentado durante uma experiência com uma asa-delta e ter ficado tetraplégico. Mesmo que seja uma parceria impensável, um gosta de Earth, Wind & Fire enquanto o outro de Chopin, os dois acabam desenvolvendo uma riquíssima e desejável amizade – deste modo, ambos encontram um complemento para suas tristes vidas até então.


Guiado pelos jovens Nakache e Toledano, Intocáveis surpreende por nunca perder o ritmo que alcança desde o primeiro minuto e tornar seus dois protagonistas como pessoas que queremos ter um vínculo a mais, permitindo que nos importemos com o destino de cada um deles. Ao mesmo tempo, os dois diretores são extremamente eficientes na maioria dos diálogos que produzem, alternando momentos inspirados dramaticamente (como quando o personagem de Omar Sy imediatamente se desloca até o aposento de Philippe para ajudá-lo em um momento de dor psicológica, mostrando uma humanidade que até então não havíamos visto) com períodos em que a graça acaba se tornando o melhor remédio para se lidar com certas situações.

E, certamente, isso não seria possível sem um timing e carisma impressionante dos dois atores principais, François Cluzet e Omar Sy, que desenvolvem cada personagem de forma incrivelmente natural. Se o primeiro transparece a dor da solidão que sente diariamente e encontra em Driss a figura presente que tanto necessitava; o segundo consegue transmitir de forma certeira esse modelo de libertinagem e respeito que o filme requer dele. Não à toa, Sy acerta em todos os seus momentos no filme – desde as situações mais cômicas em que tenta convencer Magalie a ir para a cama com ele, passando pelo aniversário de Philippe (“Tom & Jerry!”), até culminar na minha cena favorita do longa (a que os dois cantam September no carro enquanto os policiais conduzem os dois até o hospital).


Conseguindo não apenas criar gags visuais eficientes, como também usando o politicamente incorreto sempre de forma competente, Intocáveis acaba sendo uma inspirada e surpreendente comédia dramática. E quando nos deparamos com Driss ainda dando uma última ajuda para um receoso Philippe em determinado momento da narrativa, vemos que assim como o personagem de Cluzet não queremos abandonar todos aqueles momentos que passamos juntos, mas sempre os teremos na memória quando quisermos os revisitar.

1 de agosto de 2012

Katy Perry: Part of Me


Idem, EUA, 2012. Direção: Jane Lipsitz e Dan Cutforth. Elenco: Katy Perry, Russel Brand, Justin Bieber, Rihanna, Shannon Woodward, Adele, Jessie J, Rachael Markarian, Mia Moretti, Lucas Kerr, Glen Ballard, David Daniel Hudson, Johnny Wujek. Duração: 93 minutos.

Tanto Never Say Never, do cantor Justin Bieber, quanto Part of Me, da cantora Katy Perry, conseguem ser documentários surpreendentes por fugir de uma abordagem apenas marqueteira (ainda que esteja lá) e explorar os bastidores do estrelato. E se o documentário do garoto canadense julgava mais importante ressaltar as consequências da vida do astro teen nos olhos de quem o cercava; em Katy Perry: Part of me, temos uma cantora segura de seu carisma e talento nos revelando um lado cativante e humano, não fugindo de alguns previsíveis julgamentos e mostrando – mesmo que superficialmente – o preço da fama.

Dirigido pela dupla Jane Lipsitz e Dan Cutforth, em sua segunda parceria, o filme acompanha a trajetória da cantora pop Katy Perry em sua turnê California Gurls. Assim, o documentário aborda não só os shows em si, mas os dramas pessoais da cantora nesses exaustivos 365 dias, além de apresentar rapidamente o início de carreira da artista.

Estabelecendo os fãs da cantora como os maiores líderes da jornada realizada por Perry até então, é curiosa a coesão com que a dupla de diretores aborda essa visão, mostrando também o quanto a artista influencia na vida dessas pessoas e como elas passam a executar suas músicas com sentimento. Além disso, as palavras de Perry surgem bem colocadas neste primeiro momento por justamente demonstrar esse espírito (“eu quero ser uma líder”) e encontram forte ressonância quando a cantora convida os fãs para o palco, numa demonstração profunda de carinho por aquelas pessoas.

Do mesmo modo, o documentário foge um pouco do padrão convencional ao desmistificar a figura de ícone pop representada por Perry na indústria musical atual (note ela passando desodorante antes do show ou na exclamação “estou nervosa”) e aposta em cenas extremamente intensas emocionalmente e as quais a própria cantora se autoavalia. Aliás, é interessante observar como em determinado momento nos damos conta de que algumas escolhas de Perry são justificáveis pelo fato de ela se portar ainda como uma adolescente, para logo depois a própria dizer: “Pareço ter 16 anos e ajo como se tivesse 16 anos!”.

Nesta análise, a forte influência do cristianismo em sua família acaba se tornando a explicação mais óbvia e interessante do longa-metragem. E, mesmo que os diretores nunca tentem oferecer uma profundidade maior nas músicas atuais de Perry, que nascem como frutos de uma infância extremamente conservadora e reprimida, estão no contexto. Ao mesmo tempo, o filme também ensaia uma crítica à própria indústria quando aborda as primeiras tentativas de sucesso de Katy e mostra como o sucesso só foi possível devido ao modelo construído nela (“Lugar de material poético é no fundo da gaveta!”), porém nunca se mostra tão corajoso.

Em contrapartida, o documentário também acomoda uma grande parcela de erros, principalmente no primeiro ato, quando os diretores julgam muito mais importante mostrar Perry como uma criatura especial e política – chegando a mostrar a descartável cena em que a cantora toca na barriga de uma gestante ou na visita a avó que é totalmente sem propósito. A dupla de diretores, ainda, se mostra sem qualquer inspiração quando volta a usar as redes sociais da mesma forma que fora utilizada em Never Say Never – filme que curiosamente foi produzido pelos dois.

E se os erros residem quando Katy Perry é mostrada de forma caricatural, criando quase um personagem fictício, são nos momentos humanos que o documentário ganha tons mais interessantes e vivos. Neste ponto de vista, usar o romance da artista como pano de fundo para desencadear o momento mais comovente do longa-metragem – o show em São Paulo – se mostra uma atitude corretíssima e que se torna ainda mais atraente quando percebemos que ela não era esperada pelos envolvidos. Aliás, não se pode deixar de citar a competente e eficiente transição que os montadores fazem entre músicas e depoimentos, colaborando para o momento em que a artista canta The One That Got Away e que ecoa uma sentimentalidade ímpar. Além do mais, o romance entre Katy e Russel é sempre orientado de forma linear – observe, por exemplo, que se temos Katy cantando E.T. quando está apaixonada, ela muda o tom quando canta Not Like The Movies, antes de chegar ao momento do show no Brasil.

E mesmo com suas falhas nítidas e pontuais, Katy Perry: Part of Me se sai muito mais do que algo feito apenas para obter lucro para a artista. Compartilhamos as emoções da cantora em determinados momentos e nos sentimos íntimos de sua jornada no final do longa-metragem. Perry com seu carisma nos leva para um lugar que não é exclusivo para fãs e com isso, quem sabe, talvez acabe fazendo novos.