30 de outubro de 2012

007 - Operação Skyfall


Skyfall, Inglaterra/EUA, 2012. Direção: Sam Mendes. Roteiro: Robert Wade, Neal Purvis e John Logan, baseado nos personagens de Ian Fleming. Elenco: Daniel Craig, Javier Bardem, Judi Dench, Ralph Fiennes, Naomi Harris, Bérénice Marlohe, Albert Finney, Ben Whishaw e Rory Kinnear. Duração: 143 min.

Se pegarmos os 23 filmes oficiais do agente britânico James Bond, pode-se observar que o mesmo espião já foi abordado de inúmeras formas e atmosferas: algumas mais intensas, outras mais voltadas ao cômico, umas que beiravam ao surreal e outras com toques mais pesados (a era de Dalton, principalmente). Não é incomum, portanto, a maneira como Sam Mendes o aborda nesse novo exemplar da franquia, mantendo uma abordagem tão realista quanto aquela vista no excepcional Cassino Royale – filme que marcou o início de Daniel Craig na pele de 007. Ainda assim, o diretor pode não ser tão marcante na forma como explora o realismo do personagem, mas certamente será lembrado por introduzir uma visão muito mais pessoal à trama e, com isso, ser dono de um dos melhores filmes do agente.

Escrito pelos habituais roteiristas Robert Wade, Neal Purvis (que inexplicavelmente são as mesmas mentes de Um Novo Dia Para Morrer) e por John Logan (estreante na franquia), baseado nos personagens de Fleming, a trama segue o roubo de um acessório que contém o nome de todos os espiões britânicos que estão em missão. Faz parte do trabalho de James Bond recuperar esse disco e salvar todos os seus colegas que se veem imediatamente em perigo mortal.

Apesar de ser um filme ímpar dentro do contexto da franquia 007, Operação: Skyfall tem algumas similaridades com um dos piores filmes da era Brosnan: Um Novo Dia Para Morrer. E não é muito difícil observar o porquê – o longa-metragem também conta com o agente obtendo graves ferimentos durante a sequência dos créditos iniciais, diagnosticado como inapto a voltar ao trabalho e descobre que há um agente traidor (nesse caso, um ex) em solo inglês. A grande diferença está presente na maneira como a narrativa é conduzida e na atmosfera medida pelo seu realizador, Sam Mendes.

E, aqui, o diretor quer deixar claro a sua marca desde o começo, quando observamos Bond transparecendo ares de humanidade ao ver um agente morto em um sofá ou quando observamos uma leve crise de identidade com o governo britânico após os créditos iniciais. Claro que as grandes explosões, ação desenfreada (o início com a perseguição sobre um trem é excepcional), perseguições de carro e mulheres deslumbrantes também estão presentes, mas o mais importante para Mendes é adaptar o agente à sua própria visão. Assim, aliado com a fotografia brilhante de Roger Deakins (que produz cenas lindíssimas em contraluz), o diretor executa tomadas que apresentam 007 de uma maneira bem mais próxima à realidade: alguém que tem seu instinto patriótico acima de sua própria sobrevivência (“Coração: alvo; assassinato: trabalho.”).

Igualmente é sua perspicácia em takes curiosos e interessantíssimos que demonstram as particularidades do mundo em que estamos inseridos – observe, por exemplo, a sequência de caixões com a bandeira da Inglaterra e como as cores vermelhas formam algo como um rastro de sangue até M. Ou note a maneira como o personagem de Bardem é revelado na trama: visualizado de longe e se aproximando aos poucos de forma ameaçadora até surgir em um contra-plongeé belíssimo. Mendes até mesmo se atreve a brincar com a virilidade exposta dos dois personagens em um ensaio de testosterona pura (“por que você acha que é minha primeira vez?”) e na química absurda dos dois atores – Javier Bardem divertidíssimo.

Além disso, não se pode deixar de salientar outros planos excepcionalmente executados pelo diretor: como aquele em que vemos se formar um coração na maneira como que os corpos de Bond e Sévérine se entrelaçam durante uma transa no chuveiro; mais uma vez um interesse contra-plongeé que consegue mostrar Bardem imponente até durante sua prisão; na tensa cena em que acompanhamos apenas os passos do agente enquanto espera a melhor maneira de atacar um dos vilões; ou, até mesmo, quando observamos um Martini sendo servido de forma curiosa e sem ser nada expositivo. Do mesmo modo, Mendes e Deakins também são admiráveis nos seus planos-detalhes – seja quando vemos 007 entrando em ação e a frieza contida em seus olhos ou na cena em que vemos Sévérine tremendo ao empunhar um cigarro e falar sobre Silva.

E se Javier Bardem constrói um dos melhores vilões da franquia, ao conferir a Silva uma qualidade cibernética ao mesmo tempo em que demonstra o prazer do trabalho de campo (contendo cenas que surgem cômicas e tensas quando o vemos diante de M ou num fascinante tiro ao alvo); Daniel Craig, finalmente, mostra-se muito mais à vontade no papel principal do que em ocasiões anteriores. E mesmo sem o charme e eloquência de Moore ou o talento de Connery, o ator consegue criar o Bond que sempre foi almejado por Dalton, por exemplo: alguém que ao mesmo tempo em que possui uma reprimida humanidade, esbanja frieza nas mais temíveis situações. E encontra até mesmo um timing muito mais agradável e sensível nesse novo filme (“o prédio vai abaixo, mas ainda conseguem salvar essa coisa”).

Sem esquecer-se do que sempre fez James Bond ser visualizado como o sonho social-machista (bem arrumado, galanteador, vive em meio de jogos, cigarros, mulheres, bebidas e defende bravamente seu país – e como não perceber a influência americana ao ver a bandeira inglesa exposta exacerbadamente no terceiro ato?), Sam Mendes consegue criar uma visão intimista e interessante para 007, que pode até ser considerada atípica. Assim, ao meio das inteligentes citações de ratos durante a narrativa, Operação: Skyfall não apenas consegue o status de um dos melhores filmes da franquia nesse percurso, mas de um dos melhores do ano.

Obs: Os créditos iniciais, com a música-tema de Adele, são os melhores de toda a franquia.


26 de outubro de 2012

As Vantagens de Ser Invisível

The Perks of Being a Wallflower, EUA, 2012. Direção: Stephen Chbosky. Roteiro: Stephen Chbosky, baseado em seu próprio romance. Elenco: Logan Lerman, Emma Watson, Ezra Miller, Mae Whitman, Paul Rudd, Dylan McDermott, Kate Walsh, Nina Dobrev e Melanie Lynskey. Duração: 103 min.

As Vantagens de Ser Invisível se move basicamente pela cartilha de um filme “indie”, uma vez que temos: o adolescente solitário, problemático, mas inteligentíssimo (e que apesar de saber mais do que qualquer garoto de sua idade – pasmem! – começa a adquirir livros apenas perto do fim do colegial); um dos rapazes mais descolados da escola, que necessariamente será excêntrico; a garota rebelde que tem um interior muito mais humano; o professor de inglês que é um escritor genial incompreendido; e, obviamente, a amiga interessantíssima que será o interesse romântico do protagonista, mas só se apaixona pelos caras errados. Visto dessa forma, pode parecer que o filme é levado ao lugar comum do gênero e que não tem nenhum tipo de qualidade; todavia, no final da narrativa, As Vantagens de Ser Invisível se mostra muito mais complexo do que aparentava ser e consegue nos aproximar tanto de seu trio principal, que terminamos a narrativa com um leve sentimento de perda.


E isso poderia ser completamente perdido no roteiro escrito por Stephen Chbosky, baseado em seu próprio romance, que aborda o solitário Charlie (Lerman) na tentativa de apenas sobreviver ao seu período escolar depois da morte de seu melhor amigo. Afinal, Charlie não difere de muitos garotos de sua idade: sofre um constante bullying, é dono de uma timidez inflexível e a única pessoa que quer sua amizade é o professor que vê potencial no jovem rapaz. Mas Lerman continuamente soa de forma muito natural e verossímil, como se estivéssemos vendo um documentário sobre a vida de um futuro escritor ou algo do tipo. E mesmo que algumas decisões tentem o tornar um rapaz desajeitado e tolo, como muitos personagens do gênero são, por diálogos risíveis (“Por que as pessoas certas se apaixonam pelas pessoas erradas?”), Logan Lerman demonstra uma maturidade muito grande ao lidar com uma complexidade acentuada no clímax e a qual não esperávamos.

Da mesma forma, o carisma, simpatia e talento de Emma Watson e, principalmente, Ezra Miller surgem extremamente beneficentes ao longa-metragem, trazendo um entrosamento ímpar aos personagens e que nos faz sentir ainda mais íntimos daqueles momentos vividos por eles. Seja em um curioso jogo de verdade/consequência, numa troca de presentes ou em momentos mais emocionais, como na visita de Sam e Patrick para Charlie.


Assim, contando com a química de seu elenco, o diretor obtém tempo e disposição para planos bem executados (como aqueles em que insistem em apresentar o protagonista sozinho no meio de uma multidão e depois expõem o trio da mesma forma) e para uma coesão narrativa deveras surpreendente. Aliás, mesmo que os flashes e alucinações soem meio deslocados na trama, não há como negar que, ao final da narrativa, eles se mostram muito mais do que necessário. E pare nesse trecho se você ainda não viu o filme. (Por exemplo, a maneira como Chbosky não escancara o abuso sexual sofrido durante a infância pela tão “amada” e lembrada tia, demonstra-se não apenas uma decisão certíssima, como também curiosa na forma como é desencadeada – durante um ato sexual, algo que a própria psicologia discorre. Igualmente, a cena em que Patrick e Charlie vão dar um passeio e o primeiro acaba beijando o amigo em um momento de desamparo, mostra-se muito madura pela forma como é desenvolvida e pela própria reação de Charlie ao não retribuir o beijo, mas entender o amigo ao mesmo tempo). Pode-se retomar a leitura a partir do próximo parágrafo.


Ainda que falhe por exagerar demais em certos pontos – destacando alguns estereótipos e alguns diálogos (“Eu me sinto infinito”) –, As Vantagens de Ser Invisível é uma grata e adorável surpresa que conta com inspirados e promissores protagonistas. Um percurso tão encantador quanto um passeio de carro ao som de David Bowie.

16 de outubro de 2012

Entidade, A



Sinister, EUA, 2012. Direção: Scott Derrickson. Roteiro: Scott Derrickson e C. Robert Cargill. Elenco: Ethan Hawke, Juliet Rylance, Fred Dalton Thompson, James Ransone, Michael Hall D'Addario, Clare Foley. Duração: 110 min.

A Entidade se move basicamente pela ideia de que o arrepio é tão importante quanto os sustos. Dessa forma, Scott Derrickson tenta criar uma trama que, ao mesmo tempo, em que instiga o espectador a querer saber mais sobre o mistério, assusta-o tanto quanto o protagonista neste percurso. Assim sendo, o diretor encontra substância não apenas na atmosfera, mas em como desenvolve essa parcela de sustos – mesmo que falhe durante alguns momentos ao mostrar o pragmatismo do gênero em abundância.

Escrito pelo próprio Derrickson (que também já havia mostrado talento em Emily Rose), em parceria com o estreante C. Robert Cargill, a história gira em torno do escritor Ellison Oswalt que teve seus quinze minutos de fama há muito tempo com uma espécie de “A Sangue Frio” moderno e tenta encontrar em um novo caso o seu próximo best-seller. Porém, o que o jovem escritor encontra na casa em que se muda é algo muito mais aterrorizante do que apenas uma nova cena de crime.

Alternando entre o burocrático e o atraente, o diretor aborda cada um de seus planos como se tentasse achar o ritmo certo em pontos chaves da trama: algo que acaba sabotando um pouco a pretensão do projeto. Não que o diretor não saiba fazer o básico do gênero, oferecendo uma boa profundidade de campo em corredores escuros ou realizando cortes secos na aparição de certos espíritos, mas não consegue ser seguro o suficiente para saber qual o caminho que deve percorrer.

Aliás, uma das palavras chaves do projeto é a falta de atrevimento de seu realizador. Derrickson, por exemplo, insiste, nos momentos mais chocantes da narrativa, a desviar a atenção da cena em questão (principalmente as cenas envolvendo snuff film) para ressaltar sua técnica atrás das câmeras. Não que isso apareça de forma errônea, pois o simbolismo da cena em questão (notamos as mortes no reflexo dos óculos do escritor, como se olhássemos do ponto de vista dele) é extremamente coerente e interessante, apenas peca um pouco na falta de ousadia.

Entretanto, quando o diretor acerta no ponto que procura e no mistério envolvendo as supostas aparições, o filme ganha ares mais clássicos. A resolução do mistério por si só já soaria interessantíssima, apenas por descobrirmos o modus operandi do “serial killer” e os responsáveis pelas mortes registradas em vídeo, ainda que mais uma vez o longa pudesse trilhar por um caminho menos didático. Além disso, Derrickson consegue demonstrar em seus personagens o sofrimento da família visto na pele do pai (e, mais uma vez, tem que se aplaudir a resolução em que simplesmente decidem ir embora do local) e oferece certa profundidade ao evidenciar os problemas que Ellison enfrenta com o desaparecimento de sua fama passada e seu problema com a bebida.

Finalmente, o diretor outra vez ensaia uma luta ciência x demônios ao mostrar novamente a possessão como o principal ponto do filme, algo que já tinha abordado com sucesso em O Exorcismo de Emily Rose. E se mostra um pouco mais à vontade na direção (a elipse com Hawke no sofá ou a incrível cena em que as crianças perseguem o personagem pela casa demonstram isso), mesmo que ainda passe certa insegurança pela falsa familiaridade com o gênero. Mesmo assim, A Entidade consegue êxito em levar ao espectador a sentir o desconforto que tanto necessita e nesse meio tempo ainda versa uma profundidade não tão comum a esse tipo de cinema.