23 de janeiro de 2013

Amor

Amour, França/Alemanha/Austria, 2012. Direção: Michael Haneke. Roteiro: Michael Haneke. Elenco: Jean-Louis Trintignant, Emmanuelle Riva, Isabelle Huppert, William Shimell, Alexandre Tharaud, Carole Franck, Dinara Drukarova, Rita Blanco e Ramón Agirre. Duração: 127 min.

Dono de uma (invejável) filmografia, que envolve obras como A Fita Branca, as duas versões de Violência Gratuita, Caché e A Professora de Piano, Michael Haneke não é um diretor convencional. Abordando seus longas sempre com um invariável pessimismo, onde o cinema não surge como um escape da realidade, pelo contrário, pode desenvolver um sentimento ainda mais perverso, sua assinatura é mais uma vez reconhecida em Amor. Em seu novo filme, o diretor discorre sobre o amor de uma maneira intrigante: até onde o ser humano se sacrifica por outro.

Escrito e dirigido pelo alemão, a história acompanha um casal de idosos, Georges (Trintignant) e Anne (Riva), que se veem em uma situação inteiramente nova em suas vidas: certo dia, Anne sofre um derrame que paralisa o lado direito de seu corpo. Cabe, então, a Georges a tarefa de providenciar os cuidados para sua esposa até o imaginável destino.

Estabelecendo os seus protagonistas de forma curiosa no primeiro ato, apresentando-os no meio de uma plateia que espera para ver uma peça, Haneke é rápido em introduzir esse problema na vida do casal e, ao mesmo tempo, explorar as sequelas do derrame da pessoa que mais se doava na relação. É notável, aliás, como a mesa bem cuidada do começo e a atenção de Anne para as pequenas coisas são trocadas gradualmente por uma cozinha suja, poeirenta, tomada por farelos e taças de vinhos não lavadas. Do mesmo modo, o diretor é sábio em não “poluir” sonoramente a narrativa – assim, depositando muito mais tensão em cenas como a de Georges escutando a água da torneira sendo desligada.

O silêncio, além do mais, é bem condizente com a dolorosa trama criada. Uma vez que seus personagens estão pertos, mas não da maneira íntima de outrora, e estão em volta do espectro da morte (“Como foi o enterro?”), Haneke trata de priorizar as expressões e reações a cada etapa sofrida. Assim sendo, observe como Anne apoia-se com o seu único braço com vida no seu marido ou em como os papéis se invertem (se ela era a pessoa mais preocupada da casa – não dormindo de ansiedade –, o papel agora é de Georges que reflete se vai conseguir passar no “teste”). A segura direção, ainda, cria uma atmosfera alucinante que culmina na fortíssima cena do sonho de Georges, em que o personagem se vê sufocado por uma mão direita.

Jean-Louis Trintignant é admirável, aliás, na maneira como ele demonstra essa mudança de papel na relação e o quanto a situação é penosa aos dois – cabe referenciar a cena em que ele pergunta para a esposa o que ela faria no lugar dele e na impaciência que o atinge quando tenta dar comida para Anne. Contudo, Emmanuelle Riva é o grande destaque da narrativa. Evidenciando minuciosamente cada sentimento de dor (“Dói. Dói. Dói!”), a atriz é excepcional ao denunciar a sua impotência perante a doença. E se ela tenta parecer mais forte do que aparentemente está, como mostra as cenas dela tentando andar sozinha, são os momentos em que ela urina dormindo e na agonia em não conseguir balbuciar mais do que uma ou outra palavra que soam mais intensos. Sua maneira infantil – fralda e babador – se intensifica mais do que ela pode aguentar.

O que transforma a sequência final, no belo e triste discurso de Georges, uma forma de amor para Haneke. Um amor que sacrifica nosso bem estar para o de outro, um amor que ultrapassa limites, um amor que nos faz abandonar um ideal que antes possuíamos; algo que revele o melhor e o pior de nós.

                                     

Um comentário:

Márcio Sallem disse...

Como comentei no grupo, a falta de trilha sonora para mim é indicativo do final da vida de Anne. Ela, ex-professora de música, é visitada pelo derrame no dia seguinte após um concerto e só recupera em instantes a alegria quando o piano rumina alguns acordes. O próprio desfecho conduz a ver que a música é essencial a ele no tocante à despedida de Georges...

Dito isso, como leu o pesadelo Andrey? Apenas como "um pesadelo" ou enxergou alguma camada dentro dele, a água, a mão sobre a boca?