8 de fevereiro de 2013

Voo, O

Flight, EUA, 2012. Direção: Robert Zemeckis. Roteiro: John Gatins. Elenco: Denzel Washington, Kelly Reilly, John Goodman, Bruce Greenwood, Don Cheadle, Tamara Tunie, Nadine Velazquez, Brian Geraghty, Melissa Leo. Duração: 138 min.

Há uma mensagem presente em O Voo que nos é atirada no decorrer da narrativa: a influência divina e a capacidade humana. Até quanto a intervenção do homem auxilia vidas em jogo e até onde a consequência de seus atos terão reflexos nessas ações. Whip Whitaker, que puxa esse gancho, é um dos melhores pilotos do país e fica claríssimo conforme vamos sendo inseridos no clima da aterrissagem; porém, uma pessoa altamente problemática que vive sua vida apenas por injeções de ânimo momentâneas (desde bebidas até cocaína). Não cabe a nós julgar a tragédia aérea em si, mas o comportamento de um dos principais envolvidos nela. 

Escrito por John Gatins (indicado ao Oscar por seu trabalho), Whip (Washington) é um piloto de aviação que consegue salvar 96 pessoas das 102 que estavam presentes durante uma tragédia área provocada por falhas no avião. O problema é que o piloto estava sob o efeito de drogas e álcool e terá que passar por uma extensa investigação para provar se é ou não uma das causas do desastre.

Nesta perspectiva, Zemeckis preocupa-se em demonstrar o estado caótico em que seu protagonista se encontra desde o princípio – logo, evidencia um quarto de hotel sujo, repleto de bebidas, pontas de cigarros e uma mulher nua ao seu lado, enquanto ouvimos a decolagem de um avião lá fora. Demonstrando um controle sobre as particularidades de Whip que o roteiro não tem. Da mesma forma, é eficiente ao usar a grua nunca em uso excessivo ou quando procura sublinhar o estado elétrico em que Whip se encontra (depois de cheirar cocaína, a câmera inquieta é bem pertinente). Ainda, acha tempo para ser sutil nas reações de seus personagens. Neste caso, observe o suspiro aliviado de um garoto que claramente está com medo das turbulências durante o voo ou no close que mantém em apenas um olho de Whip no momento em que este recebe as notícias do ocorrido. Ali vemos pessoas ao seu redor analisando cada reação sua, ao passo que somos movidos apenas pelo ponto de vista do protagonista.

Seu ponto alto, além disso, sucede-se em duas cenas importantíssimas: na primeira, o acidente é construído de uma forma ímpar, com cortes feitos sob medida para trazer ritmo e tensão surpreendentes (o silêncio que antecede a batida é revelador); na segunda, sustenta uma grande apreensão quando Whip tem que se decidir sobre beber ou não uma pequena garrafinha de álcool. O instante em que a bengala do piloto serve como uma divisória entre ele e Hugh Lang também é admirável. Igualmente, é sábio na forma como se aproxima e se afasta de seus personagens – analise como a câmera vai afastando de Whip na medida em que vemos sua embriaguez e quando se aproxima dele noutro momento e se afasta de Nicole.

Por outro lado, se Zemeckis parece voltar à boa forma de antes, o roteiro de Gatins é uma completa e desinteressante bagunça. Tentando sabotar até mesmo os belos momentos em que os personagens se confrontam sobre suas crenças (e o momento em que Whip se entrega para uma oração só não é pior por Washington passar seu sentimento no olhar), Gatins tenta ensaiar um duelo entre duas concepções que nunca surgem adequadas ao que realmente estamos olhando: uma pessoa alcoólatra que terá que enfrentar as consequências. Nem mesmo conseguindo imprimir a aceitação religiosa de Whip, o roteirista também derrapa na construção convencional e amedrontada de seu principal personagem – o que dizer, por exemplo, quando ele se mostra arrogante e nem um pouco assustado com o processo e minutos depois corre amedrontado para o velório de Trina para pedir favores.

Aliás, a cena só é ambígua, mais uma vez, pelo talento como Denzel Washington aborda Margaret. Seus desejos nunca ficam realmente claros: se ele está apenas no local para pedir para a amiga mentir a seu favor ou se por devoção a sua colega/amante da tripulação. Assim, o ator, com o amparo de Zemeckis, obtém o carinho e a preocupação do público com suas ações. Se o vemos num estado pecaminoso ao redor de bebidas dormindo no chão, acolhemos mais tarde sua melhora e ficamos receosos com o que pode acontecer com ele solitário no quarto de um hotel mais uma vez.

E se o roteiro não reserva tempo para a dinâmica familiar, explorando apenas telefonemas desnecessários e uma ida, bêbado, a casa da ex-mulher, compete a Washington a tarefa de ressaltar o amor pelo filho em situações pontuais. Note como o ator só chora depois do acidente quando ouve o nome do rapaz pela primeira vez. Entretanto, se Kelly Reilly nunca parece à vontade ou apropriada à trama – veja como em determinado momento ela nem parece ter sido viciada –, sua introdução é ainda mais sem propósito; servindo apenas para atrasar mais a ação que ocorrerá em segundos.

Contando com uma indicação ao Oscar no mínimo a ser contestada, no final do longa-metragem, todos os esforços de Denzel Washington e Robert Zemeckis para tornar a obra uma verdadeira análise humana não são em vãos. Ainda que não seja suficiente para retirar todo o gosto amargo deixado. E é na visão afetada pelo clima que encontra a sua frente, permeada por tempestades e trovões, para depois encontrar um céu mais límpido no horizonte, que está um perfeito reflexo tanto da história do filme quanto de sua produção.

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