30 de agosto de 2013

Gente Grande 2

Grown Ups 2, EUA, 2013. Direção: Dennis Dugan. Roteiro: Fred Wolf, Adam Sandler, Tim Herlihy, baseado nos personagens criados por Adam Sandler e Fred Wolf. Elenco: Adam Sandler, Kevin James, Chris Rock, David Spade, Salma Hayek, Maya Rudolph, Maria Bello, Nick Swardson, Steve Buscemi, Colin Quinn, Tim Meadows e dezenas amigos de Sandler e Cia. Duração: 101 min.

Imaginem uma reunião entre Sandler e Dugan pensando no próximo filme.

 – 2013. Tenho que pagar minhas contas, James, Spade e Rock também. O que fazemos?
– Gente Grande fez uma bilheteria aceitável. 
– É, mas como fazer uma continuação? 
– Sei lá, eu acho que reaproveitando algumas das piadas que ficaram de fora do outro ou somando aquelas nossas conhecidas com os personagens já dá para pensar em algo. 
– Schneider? 
– Ficará de fora desse. 
– Quais piadas que poderíamos reaproveitar? 
– O de sempre: flatulências, brincar com preconceitos, gritos, vômitos, mulheres sonhadoras e infantis. Não podemos fugir da fórmula. 
– É, mas sinto que o público está querendo algo mais. Podemos usar alguns fatores que não utilizamos antes. Surpreendê-los. Ei, que tal um veado encarando você enquanto você acorda em sua cama? E, quando a sua mulher grita, ele começa a mijar em você porque se assusta, hein? 
– Uau! Genial. Podemos usar isso. E daí ele começa a correr pela casa e entra no banheiro para flagrar o seu filho se masturbando em um banho mais demorado? 
– Perfeito. Podemos fazer uma piada com isso também. Adolescentes adoram! 
– Estamos chegando a algum lugar. Minha filha pode usar um sapato bizarro para apontar como é estranha, que tal? E o filho do Kevin pode ser burro. É, isso seria demais. Tipo, ele dizendo que sete mais nove é 79, sabe? 
– Boa! Podíamos utilizar uma criança proferindo frases de efeito também, né? O filho do personagem de Rock. Ah, já sei. A mulher esquece o aniversário do marido. Isso seria inédito. Aí o filho pequeno diz: isso foi pesado, cara. 
– Ele podia rosnar como um pequeno cachorro e ficar dançando. É, as pessoas adoram crianças dançando. E se ele morder? 
– Acho muito bom. Precisamos de pessoas mordendo umas as outras. Uma lavagem incomum também seria legal. 
– O que tem em mente? 
– Ao invés de usar mulheres, podíamos colocar homens com shorts apertados lavando carros. Usar o fator surpresa. O personagem de Meadows podia falar só “whattt” em voz aguda, certo? Que tal a família toda? Sim. Os filhos e a mulher só falam isso. Mais nada. Outra coisa: nós colocamos os protagonistas encontrando versões mais jovens de si próprios e fazem uma batalha de piadas. 
– Eu adorei a ideia, mas será que não estamos colocando personagens demais? 
– Nada. Encerramos com uma batalha gigantesca com todo mundo se enfrentando. 
– É, podemos fazer isso. Mas falta alguma profundidade. Podíamos sugerir que a culpa do racismo atual é do Obama. 
– Como faríamos isso? 
– Ah, o personagem do Rock grita em um momento pelo racismo que está sofrendo: “Foda-se Obama”. 
– Ótimo. Acho que temos um filme.
– É! Temos um filme.

                                         

28 de agosto de 2013

Tese Sobre um Homicídio

Tesis sobre un homicidio, Argentina/Espanha, 2013. Direção: Hernán Goldfrid. Roteiro: Patricio Vega, baseado em um romance de Diego Paszkowski. Elenco: Ricardo Darín, Alberto Ammann, Calu Rivero, Arturo Puig, Fabián Arenillas, Mara Bestelli, Antonio Ugo, José Luis Mazza, Mateo Chiarino, Natalia Santiago, Ezequiel de Almeida, Cecilia Atán. Duração: 106 min.

Nos últimos anos, o ator Ricardo Darín tem cultivado uma apreciação popular tão intensa que basta seu nome ser ligado a um novo projeto que o filme ganha notoriedade; não por acaso, já que é dono de uma expressão de fácil lembrança, forte e honesta. Mas ainda que saiba escolher projetos e personagens, a dúvida mais pertinente quanto aos seus novos trabalhos é se o longa-metragem utiliza a figura do ator para complementar a forte mensagem (Abutres, Elefante Branco, Um Conto Chinês) ou somente para manter o público entretido nos acontecimentos de uma história sem grande inspiração. Tese Sobre um Homicídio é o sinônimo perfeito para essa segunda hipótese.

Apresentando-nos a figura de Roberto Bermudez (Darín), o roteiro de Patricio Vega, que é baseado em um romance de Diego Paszkowski, acompanha a investigação do professor de Direito Criminal que é surpreendido por um crime ocorrido dentro do próprio campus da Universidade onde leciona. Logo, ele passa a desconfiar que o filho de um amigo seu e o aluno que mais o admira, Gonzalo Ruiz Cordera (Ammann), está envolvido no crime.

E é sem trazer nenhuma dúvida sobre a culpabilidade do sujeito ou apontar para outros suspeitos que o filme já começa a ostentar um tipo de fraqueza. Ainda que seja um erro perdoável, avalia-se que estamos sob o ponto de vista de Roberto, o roteiro de Vega desenvolve a investigação com uma facilidade inverossímil que não nos permite acompanhar o passo a passo da tese do professor. Uma abordagem tão irreal quanto a do triângulo amoroso, o qual é grande culpado pela parcela de erros do terceiro ato. Da mesma forma, a maneira comicamente vilanesca com que Gonzalo é apresentado (“Minha tese é que nenhuma outra tese está correta”) não ajuda o trabalho do limitado Ammann.

A direção de Goldfrid, por sua vez, é típica de quem está começando e quer mostrar um senso estético apurado, mas ainda não está lá. Neste caso, observe como o diretor tenta nunca manter sua câmera estática por mais de cinco segundos, buscando oferecer uma dinâmica apenas por meio de planos curtos. Ao mesmo tempo, além de evitar qualquer tipo de plano mais longo (aquele enquadramento em que a irmã da vítima surge separando Gonzalo e Roberto na mesa que dividem como dois extremos se sairia muito melhor caso fosse mais aproveitado), passa a aproximar e afastar a câmera nos cenários sem maiores explicações – um bom exemplo é quando Roberto chega na cena do crime. Por outro lado, Goldfrid se sai bem no desenvolvimento quase alucinante com que vemos o professor chegar às suas conclusões e é eficiente em enquadrar tanto o professor durante as aulas cercado de livros quanto a reação de Gonzalo ao encontro do corpo da estudante. Aliás, admirável a forma como brinca com a nitidez da imagem ao passar pelos pensamentos ainda não totalmente arquitetados por Roberto e a posição de superioridade quando acha ter esclarecido o delito.

Mas, como já é de costume, muitos erros do roteiro são ofuscados por outra grande atuação de Ricardo Darín. Mantendo uma postura arrogante e imponente, “aproveitem-me!”, ele é impessoal, seguro de si mesmo e levemente irônico com a falta de conhecimento dos outros que o cercam: “Você tem, quanto, 28 anos?”. Ainda assim, o ator é competente em trazer uma dubiedade ao personagem, apontando que, apesar de tudo que tenha conquistado, é uma pessoa infeliz. Analise a maneira como fala de sua ex-mulher, como se aquilo tivesse acontecido com outra pessoa, ou a sua contradição em se sentir ofendido ao ver um aluno atrasado para os estudos, mas aconselhá-lo a aproveitar a vida minutos mais tarde.


Tese Sobre um Homicídio, por fim, expressa uma profundidade que não está lá, tornando-se subitamente pretensioso. Está longe de ser um trabalho absolutamente condenável, mas esclarece que um filme precisa de muito mais que um ator talentoso para funcionar.  


                              

26 de agosto de 2013

Muito Barulho por Nada

MUITO BARULHO POR NADA
(Much Ado About Nothing)

Joss Whedon

Personagens
BEATRICE, sobrinha do governador de Messina.
BENEDITO, policial que tenta esconder seu amor pela sobrinha do governador.
LEONATO, governador de Messina.
HERO, filha do governador e pretendida por Claudio.
CLAUDIO, noivo da bela filha de Leonato.
DOM PEDRO, amigo do governador que retorna da guerra.
DOM JOÃO, irmão de Pedro e, ciumento, o vilão da história que pretende separar Hero e Claudio.
DOGBERRY, encarregado da segurança da festa de casamento.
BORACHIO, o jovem que espalha o rumor da “impureza” de Hero.
CONRADE, a apaixonada por Borachio que ajuda a cometer o nefasto ato.
ANDREY LEHNEMANN, Crítico da história.
Empregadas, seguranças e participantes da grande festa.

ATO I
Cena I
Os sons das teclas começam a ecoar pela morada do crítico. Pensa no espetáculo que acabou de testemunhar. Seu texto projeta os insistentes caracteres:

ANDREY LEHNEMANN – Ó, obra que apresenta para esse tão casto coração o amor em sua plenitude. Os seus preconceitos, suas incertezas e, principalmente, suas tão imensas armadilhas. De onde vens, ó tão estranho diretor que encontras dificuldades em emular o sentimento cômico de tão formoso texto da literatura shakespeariana, mas que tem tão gigante inclinação para projetar a natureza humana em tão fiéis personagens. Quem és tu, compositor; o que tenta impedir que tão belo espetáculo siga adiante, impondo acordes burlescos para uma atmosfera dramática – deixa falar seu coração, não sua cabeça. Continuo por mais essa linha, pois, consola-me saber que não passo vergonha sozinho ao imprimir abordagem tão classicista em uma era que chega a não possuir conhecimento de tal palavra.

***

ATO II

Muito mais que a atual literatura – que transformou a linguagem rebuscada em mais simplificada para o grande público, com fácil acesso –, quando o cinema se propõe a modernizar alguma obra classicista (Tolstoi, Shakespeare ou Homero) existe sempre uma dúvida sobre a adequação àquele mundo. E é por uma resolução bem entendível: a nossa própria realidade é indiscutivelmente mais avançada em tecnologia, pensamentos e até mesmo títulos que as obras antigas que serviram de inspiração – mesmo que mostremos isso com tão pouca frequência. Assim, como o caso de Coriolano, Muito Barulho por Nada tem como principal desafio unir as poesias e monólogos shakespearianos com o fato da narrativa estar focada no século XXI. Como arquitetar um roteiro em que a virgindade, a nobreza e os devaneios da elite sejam compreendidos em nossa realidade?

A resposta é dada aos poucos pelo diretor. Ensaiando uma fama superficial para aquele seleto grupo de pessoas que estamos sendo inseridos, observamos paparazzis contratados para escancarar prestígios, tratamentos diferenciados (nobre, excelentíssimo, vossa graça), um mundo de shows e bebidas. Da mesma forma, Whedon é admirável na profundidade que consegue alinhar ao texto: um grande exemplo é como trata a virilidade, quando Benedito começa a fazer vergonhosas flexões aos pés de Beatrice, ou a sua conclusão sobre a inconstância do homem, os preconceitos da elite e o amor inconfessável de dois opostos. Além disso, o roteiro deixa tempo para os monólogos da obra, como aquelas interessantíssimas avaliações sobre paixões e casamentos que Benedito faz enquanto corre de um lado para outro em uma escadaria – como se estivesse correndo de si mesmo, mas sem ter para onde ir.

Isso também fica claro na inspirada abordagem teatral. Neste caso, analise como Benedito parece conversar com o público quando confessa o seu amor por Beatrice e como a câmera se afasta precisamente para fornecer a sensação de estarmos numa plateia. Ao mesmo tempo, Whedon trabalha os simbolismos com eficiência. Note, por exemplo, Beatrice “caindo de amor” quando ouve os diálogos sobre uma suposta paixão por ela. E mesmo que seu trabalho transite pelo burocrático, com cortes rápidos durante os diálogos para acelerar uma trama que não permite isso ou que recorra em demasia ao jogo de foco num aparente desconforto, cultiva momentos fascinantes: como aquele em que o reflexo da água nos impede de visualizarmos a silhueta completa de Claudio, as passagens de um ambiente para o outro e aquele instante em que só se permite mostrar duas pessoas pelo reflexo do espelho, buscando salientar a vergonha que estão sentindo.

Como não poderia deixar de ser, os diálogos, basicamente transpostos da obra para a tela, também merecem destaque pelo brilhantismo com que surgem para apontar o amor de Beatrice e Benedito: “Eu te amo com tanta abundância que não sobra lugar no meu coração para protestos!”, “Dê as espadas, pois já temos os escudos naturalmente”, “o tempo andará de muletas até lá!”, “por qual das minhas más qualidades se apaixonaste primeiro?” e “Quero morrer em seus braços, ser enterrado em seus lábios e sepultado em seus olhos” são belos exemplos.

ATO III

Por mais que a trilha sonora composta pelo próprio Whedon tente sufocar o drama que a história passa, com acordes espalhafatosos e com momentos de incursões quase praianas, a direção de atores acaba sendo sua principal arma. Portanto, muito diferente de Coriolano, onde Fiennes provavelmente tenha ameaçado vários do elenco para proferir suas frases, os atores procuram um tom muito mais natural e eficiente – atingindo o ápice em Clark Gregg (talentosíssimo!) imitando o rugir de um leão.

Ainda assim, mesmo que essa harmonia tenha sido bem trabalhada no caso de Muito Barulho por Nada, o filme volta a levantar a questão inicial: funciona?! Outra; embora funcione, quando deve ser usada? Pois, mesmo com tantas questões profundas na narrativa, fica difícil imaginar uma moça determinada sendo vítima de blasfêmia por algo tão resolvido quanto à intimidade sexual em pleno século XXI. Poderia ser um tabu na época de Shakespeare, mas definitivamente não o é em nossa atual realidade. Nem deveria.


Much Ado About Nothing, EUA, 2012. Direção: Joss Whedon. Roteiro: Joss Whedon, baseado em uma peça de Shakespeare. Elenco: Amy Acker, Alexis Denisof, Clark Gregg, Fran Kranz, Jillian Morgese, Reed Diamond, Nathan Fillion, Sean Maher, Spencer Treat Clark, Riki Lindhome, Ashley Johnson, Emma Bates, Tom Lenk. Duração: 109 min.


                            

24 de agosto de 2013

Dossiê Jango

Idem, Brasil, 2012. Direção: Paulo Henrique Fontenelle. Com: Flávio Tavares, Cacá Diegues, Zelito Viana, Luiz Carlos Barreto, Carlos Lyra, Jair Krischke, General Carlos Guedes, João Vicente Goulart, Ferreira Gullar, Almino Afonso, Carlos Bastos, Waldir Pires, Manoel Leães, Claudio Braga, Carlos Lacerda, Hélio Fernandes, Denize Goulart, Rafael Michelini, Geneton Moraes Neto, Maria Thereza Goulart, Miro Teixeira, Júlio Vieira, Leonel Brizola, Carlos Heitor Cony, Roger Rodrigues, Miguel Arraes, Moniz Bandeira, Enrique Foch Diaz, Mario Neira Barreiro, Maria do Rosário e Pablo Andrés Vassel. Duração: 103 min.

Existe um velho ditado que diz “estamos navegando em águas turbulentas”. Em Dossiê Jango, as águas pertencem ao famoso Rio Uruguai, que se situa na fronteira entre Brasil e Argentina. Os nossos olhos não são os únicos a observar a corrente, não; os outros pertencem ao presidente deposto João Goulart, que aproveita – a medida do possível, logicamente – momentos de calmaria no município de São Borja, onde nasceu. Ele acaba de ser derrubado da presidência por um complô envolvendo o próprio congresso nacional e os militares. Bebe seu chimarrão à beira do rio, o único que pode confiar no momento. Na tela? Um quadro branco com vários nomes de figuras implicadas numa possível conspiração.

Assim inicia o documentário dirigido pelo talentoso Paulo Henrique Fontenelle, que pretende entrar de cabeça nas dúvidas provocadas pela morte de João Goulart e as pessoas que de alguma maneira poderiam desvendar essas questões. Obtendo como ponto de partida uma época em que o intervencionismo americano era quase irrestrito e as mortes eram constantemente abafadas, o diretor explora os depoimentos de historiadores, jornalistas, políticos, familiares para explicar o otimismo brasileiro sendo preterido por um pesadelo militar de extrema-direita e as sequelas que o período deixou na política nacional.

Não deixando a vida política de Jango como o único e principal fio condutor da narrativa, Fontenelle passa a trazer o clima ditatorial que toda a América Latina passa na época, mostrando as articulações americanas no Chile, Cuba e Uruguai. Com um ritmo fluido, evidencia suas belas fotos históricas por meio de uma fantástica montagem que imprime elegância entre uma fotografia e outra – seja na passagem pelo “quadro de investigação” (e há de se destacar o momento em que “passeamos” pelo Projeto Andrea até chegarmos na declaração de João Vicente) ou na forma com que brinca com sua estrutura: meu momento favorito é a saída da sala de arquivos. Além disso, a trilha sonora onipresente de Marcos Nimrichter denota certeiramente, através do som de seu piano, a atmosfera sufocante e comunicativa do filme.

Mas o documentário é muito mais do que uma simples façanha técnica. Dando espaço para depoimentos fortíssimos de figuras que viveram a história de perto, o diretor captura a desestabilidade política e emocional da época nas expressões e falas de seus entrevistados. Note, por exemplo, a tensão que as imagens de arquivo com Kennedy e Lyndon Gordon evocam ou os confrontos de uma declaração com outra – destacando João Vicente e Moniz Bandeira. Da mesma forma, as dúvidas vão sendo colocadas de forma brilhante: começando com uma sentença forte do General Guedes (“Se não amarmos a deus, temos que temê-lo!”), o longa-metragem estabelece aos poucos a conspiração, a operação condor, as três principais mortes num espaço de nove meses que incentivam a discussão, as 15 pessoas ligadas ao caso que foram mortas, o sumiço de documentos, o livro de Diaz e a descoberta do agente uruguaio. Fontenelle, neste percurso, obviamente consegue apagar algumas arestas, mas também levanta outras perguntas pertinentes e importantíssimas historicamente: “quando todos os responsáveis estiverem mortos, o que adiantará?”.


Incisivo e coerente em sua estrutura, Dossiê Jango é um filme assustador que dialoga com o espectador o quanto ainda temos para descobrir de um dos períodos mais fúnebres da história recente do país e de toda a América Latina. Diferente do que aponta um dos entrevistados, nós não podemos apenas esperar o tempo completar a história.


                              

22 de agosto de 2013

Bling Ring: A Gangue de Hollywood

The Bling Ring, EUA/Inglaterra/França/Alemanha/Japão, 2013. Direção: Sofia Coppola. Roteiro: Sofia Coppola, baseado em um artigo da Vanity Fair. Elenco: Katie Chang, Israel Broussard, Emma Watson, Claire Julien, Taissa Farmiga, Georgia Rock, Leslie Mann, Carlos Miranda, Gavin Rossdale, Stacy Edwards, G. Mac Brown, Janet Song, Marc Coppola. Duração: 90 min.

No ano passado, em Florianópolis, cinco jovens de classe média foram detidos por furtar e entrar em casas do bairro Jurerê Internacional por... diversão. Entravam nas residências, tiravam fotos, roubavam as bebidas contidas em adegas e outros objetos eletrônicos sem qualquer necessidade a não ser dar um mínimo de aventura em suas vidas “pacatas”. Meninos com faixa etária entre 19 e 26 anos. Quando foram presos, supostamente envergonhados do que fizeram, apelaram para o que mais conheciam, mas que nesse caso não resolveria a situação: um pedido de desculpas. Bling Ring se move pelo mesma temática: a vida fútil de jovens com poder aquisitivo alto e a libertinagem que possuem em seu mundo. Todavia, infelizmente, Sofia Coppola sofre para dar mais profundidade para algo que carecia disso e guia uma trama tão superficial quanto a abordagem objetiva de uma investigação criminal dessa natureza.

Escrito pela própria Coppola, baseado em um artigo da Vanity Fair que se inspirou na história de um grupo de jovens que entrava nas residências da alta elite de Los Angeles apenas por diversão e status, a história aborda exatamente o que haveria levado aqueles jovens a cometerem o crime. Transitando entre os depoimentos e os assaltos, a diretora/roteirista tenta acrescentar um estudo sobre o mundo glamoroso em que estão e a ostentação que os cerca.

Percebendo que não tem um grande domínio sobre qual é a mensagem a ser passada na narrativa, Coppola tenta apropriar o seu tipo de estilo na história de Rebbeca, Mark e as outras garotas, mas sem a confiança de outrora. Assim, os cortes feitos aqui e ali nunca são sutis e chega a apostar até em um bullying deslocado no começo do longa-metragem. Além do mais, a diretora aponta para a futilidade do mundo adolescente sem muita inspiração, investindo no básico: fotos na balada, leitura de conteúdos inúteis na internet e inserções de fotos de celebridade sem um grande contexto. Os flashes, a fama, a riqueza estão lá – mas sem nenhuma novidade ou provocação. Por outro lado, apesar da montagem óbvia (o que falar da elipse infantil no tribunal?), a diretora consegue transmitir a evolução dos roubos e das investigações da polícia com um pouco mais de talento. Neste caso, observe como de uma invasão na escuridão, os garotos vão ficando mais descuidados, passam a esquecer das câmeras e a primeira vez que são vistos não estamos inseridos na ação junto com eles – apenas se nota os furtos de longe, num establishing shot eficiente e com os sons de polícia ao fundo.  

Mas isso é raro. Por mais que Coppola tenha seus momentos como diretora/roteirista – como aquele em que Rebbeca pergunta sobre a reação da Lindsay Lohan ou a que Mark afirma orgulhosamente que aceitou 800 novas pessoas no Facebook –, os erros são muito mais evidentes e facilmente contornados. Afora o vergonhoso slow motion que acompanha Rebecca subindo as escadas do colégio – com direito a flares e cabelos ao vento –, a cena nonsense de Mark dançando na frente da web cam é ainda mais cômica, comprovando que Coppola não possuía muita ideia do que estava fazendo a não ser criticar superficialmente costumes adolescentes.

Quanto ao elenco, Israel Broussard falha ao entregar um personagem que é levado não só pela adrenalina dos crimes, mas principalmente por estar em busca de uma aceitação social e atrás de amizades (se você não é amigo de ninguém, você não é ninguém!), e Katie Chang se sai extremamente mal na pele de líder da turma; ao passo que Emma Watson não consegue extrair nada de uma personagem já morta narrativamente desde a construção do roteiro.

Por mais que a história abra um leque de possibilidades, a exploração e profundidade dela são o que mais dá para sentir falta. No fim, mesmo com a falta de recursos, até mesmo a matéria do jornal feita sobre os jovens de classe média que furtavam casas em Florianópolis acaba tendo uma penetração muito maior que os jovens do filme de Coppola.


                                  

14 de agosto de 2013

Círculo de Fogo

Pacific Rim, EUA, 2013. Direção: Guillermo del Toro. Roteiro: Travis Beacham e Guillermo del Toro, baseado em uma história de Beacham. Elenco: Charlie Hunnam, Idris Elba, Rinko Kikuchi, Charlie Day, Burn Gorman, Max Martini, Robert Kazinsky, Diego Klattenhoff, Clifton Collins Jr., Ron Perlman. Duração: 131 min.

Embora seu nome esteja sendo transformado quase em uma marca publicitária para filmes com temáticas fantásticas adultas, Guillermo del Toro conta com uma filmografia bastante competente à frente das câmeras. Obras como Hellboy, Cronos ou, o seu cartão de visitas, Labirinto do Fauno conseguem explorar o mundo fantástico, que é o maior talento de del Toro, com histórias minimamente profundas. Mesmo que o seu apego pelos detalhes visuais de suas criaturas fossem o maior ponto positivo, a história era sempre complementar com os aspectos sócio-narrativos. Labirinto do Fauno, por exemplo, idealizava outro mundo, que era um contraponto à triste realidade que o planeta passava naquele momento: a guerra. Círculo de Fogo, por outro lado, nunca surge mais do que uma desculpa para colocar em tela robôs gigantes controlados por humanos contra monstros malignos que só querem – como de costume – colonizar um novo mundo.

Escrito por Travis Beacham e Guillermo del Toro, baseado em uma história do próprio Beacham, a história conta a invasão de criaturas monstruosas conhecidas como Kaiju, que buscam invadir a terra pelo oceano pacífico. Para combatê-los, então, os governos se juntam para viabilizar um projeto de robôs denominados Jaegers, que, controlados por duas pessoas, objetivam destruir os invasores. Entretanto, os monstros começam a invadir cada vez mais, e em maior número, fazendo com que o governo condene o projeto e passe a buscar uma nova solução...

... o resto todos nós sabemos. Haverá um oficial que irá contra ordens específicas e reorganizará o projeto que acabará sendo a única (e improvável) chance da humanidade contra a invasão. Existirão sacrifícios de todos os lados, principalmente, do próprio coronel que terá que, por qualquer motivo que não venha ao caso, vestir um uniforme para ir à guerra. Um didatismo burocrático que apontará para cada aspecto da trama. As mensagens antiguerra. Romance entre duas pessoas que possuem suas pequenas desavenças e uma amizade improvável entre o mocinho unilateral e o arrogante que passará por um teste de provação final. Sem nos esquecermos do lado emocional, o alívio cômico e o heroísmo humano em grande excesso.

Nessa previsibilidade, del Toro enfrenta um desafio muito maior do que dar vida aos seus monstros gigantescos: a de dar vida à emoções genuínas, o que nunca ocorre. O diretor, aliás, como qualquer outro que enxergue a sua base humana instável demais, apela para um esforço físico de seu protagonista para produzir algum tipo de aura ambígua – nesta ótica, o imponente oficial de Elba possui problemas físicos que o limitam, tentando tornar a estupidez de sua decisão final algo ainda mais maniqueísta (como não refletir que existiam dezenas de soldados podendo ser parceiros de Chuck, e muito mais preparados que alguém que não combatia há dezenas de anos?). Até seus conflitos sentimentais carecem de mais solidez; e fica difícil controlar o riso quando Becket afirma para Chuck que ele deve pedir desculpas para Mako, ocasionando uma luta que necessitava de algum motivo para acontecer.

Da mesma forma, ninguém sai isento do longa-metragem; se a montagem de Peter Amundson e John Gilroy tem belos momentos – como aquele em que vemos as passagens pelos jornais, entrevistas e propagandas na sequência inicial ou a transição das estrelas para o oceano pacífico ou as passagens de um funcionário para os Jaegers –, ela falha na incursão de flashbacks em um momento decisivo da trama. Já a trilha de Ramin Djawadi não é original no tom aventureiro e até os belos solos de guitarra são usados demasiadamente. Por outro lado, o design de produção acerta no tom futurista ao abordar lugares colossais em meio ao mundo negro do resto da população.

Guillermo del Toro, por sua vez, é muito mais admirável no seu trabalho por trás das câmeras e em saber exatamente o quer mostrar. Assim, os closes, a câmera instável no momento da invasão, os primeiros planos, os planos abertos para mostrar os robôs, os cortes precisos – tudo delata a habilidade do diretor, ao menos, para nos guiar naquele mundo. Ao mesmo tempo, ele não se esquece do povo em sua narrativa, mostrando a situação precária em que estão: como mostra a saída de um dos cientistas pelas ruas do Japão, três pessoas em uma embarcação se deparando com um monstro, ou um avô e seu neto detectando riquezas em uma praia.

Mas Círculo de Fogo tem os maiores problemas justamente em seu elenco. E se Idris Elba é o único que consegue criar um personagem que seja mais do que uma caricatura, desenvolvendo a imponência de Stacker com uma leve dosagem de um temperamento instável e proferindo suas frases com uma força invejável; o mesmo não se pode dizer de atores como Charlie Hunnam, Max Martini e Robert Kazinsky que são exemplos de unilateralidade. Ao passo que Charlie Day e Burn Gorman, com sua falta de talento, seus sotaques desastrosos e possuindo menos expressão que um Jaeger, parecem estar em um filme de comédia de Tyler Perry.


Por fim, atentando-se pelo menos aos detalhes de seus monstros e depositando particularidades que seus personagens humanos não têm, del Toro lembra uma criança aos seus oito ou nove anos de idade que ainda se impressiona apenas com uma batalha entre dois bonecos – sem nenhum contexto. É uma pena que isso pareça incrível apenas nessa idade. 


                                  

8 de agosto de 2013

Hannah Arendt

Idem, Alemanha, 2012. Direção: Margarethe von Trotta. Roteiro: Pam Katz e Margarethe von Trotta. Elenco: Barbara Sukowa, Axel Milberg, Janet McTeer, Julia Jentsch, Ulrich Noethen, Michael Degen, Nicholas Woodeson, Victoria Trauttmansdorff, Klaus Pohl, Harvey Friedman, Megan Gay, Claire Johnston, Gilbert Johnston, Tom Leick, Friederike Becht. Duração: 113 min.

Figura importantíssima no século XX e tanto admirada quanto odiada, Hannah Arendt nunca foi tratada de forma indiferente. Proveniente de origem judaica, a filósofa afirma em determinado instante que nenhum povo tem o seu amor ou a sua afeição destinada apenas aos amigos. E é perceptível como a personagem interpretada por Barbara Sukowa mantém viva essa ótica impessoal com os temas do mundo durante toda a narrativa, criando, assim, uma figura controversa que encontra coerência em suas próprias contradições.

Escrito por Pam Katz e Margarethe von Trotta, que também dirige o longa-metragem, a história acompanha o período mais turbulento da vida de Hannah: o julgamento de um oficial nazista responsável por crimes de guerra. Contrariando as expectativas de um público sedento por justiça e a de seus amigos, porém, a filósofa questiona até onde os crimes bárbaros que atribuem àquele homem são de fatos frutos de uma monstruosidade humana.

Mexendo numa questão filosófica pertinente e adequável com a nossa própria realidade, o roteiro, apesar de didático em momentos (“Hannah é uma das principais filósofas do século XX”, afirma sem necessidade um editor), encontra sustentabilidade nessa questão que cercava a própria filósofa: como direcionamos a culpa de milhares de pessoas de forma exclusiva a alguns? Conseguimos separar o contexto histórico de nossa justiça formal? Separam-se monstros de pessoas aterrorizantemente normais e boçais, que simplesmente não ligavam para as consequências de suas ordens? Assim como o próprio espectador, a personagem é perseguida por essas perguntas durante toda a narrativa e sofre com a falta de respostas. Observe, por exemplo, a dor ao ouvir a carta de dezenas de pessoas a acusando de antissemita e a sua reação: “Essas pessoas se sentiram ofendidas com o meu artigo; responderei a todas elas”. Ou, principalmente, o seu discurso final, onde explicita suas razões para as perguntas que ela se fez, mesmo que tenha custado o que mais possuía valor para ela – as suas amizades.

Nesta perspectiva, aliás, a montagem de Bettina Böhler tem seus problemas para encaixar de forma orgânica as aparições de Heidegger, que parecem apenas apontar para um relacionamento infrutífero e inconsequente de ambos, quando, na verdade, gostaria de alcançar respostas para a futura defesa de Hannah ao filósofo alemão. Além do mais, por mais que seja interessante analisarmos o verdadeiro julgamento, a transição com que é feito o contraste entre o colorido do mundo das pessoas presentes no momento com o preto e branco do mundo de Adolf Eichmann acaba soando embaraçoso e anticlimático.

E se von Trotta intercala o seu trabalho burocrático com escolhas inspiradas – particularmente, o meu momento favorito é quando Hannah está de forma oposta e solitária aos outros jornalistas em uma sala de imprensa, enquanto antes a câmera analisava o coletivo –, o elenco consegue ser suficientemente natural. É notável que tanto o relacionamento entre a personagem-título e Heinrich quanto o de Hans com sua esposa sejam tratados com suas próprias particularidades e diferenças. O mesmo pode ser dito de forma igual para as amizades de Hannah – momento em que McTeer brilha ao defender a amiga. Mas, como não poderia deixar de ser, é Barbara Sukowa quem merece os maiores aplausos ao compor uma personagem dúbia e que irradia força ainda que consiga demonstrar a fragilidade que os anos acabaram impondo sobre ela (a cena em que se apoia em uma mesa durante um inflamável discurso é digníssima).

Deixando uma fresta da porta aberta para um futuro que não sabe qual é, como todos nós, Hannah Arendt não é uma obra de defesa às decisões que a filósofa fez, tampouco um filme que a celebra. Pelo contrário, o longa-metragem de Margarethe von Trotta é muito fiel ao discurso final de Hannah sobre o julgamento: temos que pensar por nós mesmos.


                                     

5 de agosto de 2013

Wolverine - Imortal

The Wolverine*, EUA, 2013. Direção: James Mangold. Roteiro: Mark Bomback, Scott Frank. Elenco: Hugh Jackman, Tao Okamoto, Rila Fukushima, Famke Janssen, Hiroyuki Sanada, Svetlana Khodchenkova, Brian Tee, Hal Yamanouchi, Will Yun Lee, Ken Yamamura. Duração: 126 min.

Na cultura japonesa, Kuzuri quer dizer animal feroz com garras e sem medo. Uma figura mística, imortal, que está condenada a vagar pela terra solitariamente. "Você não quer ser quem eu sou", afirma o personagem novamente interpretado pelo ótimo Hugh Jackman. A busca existencialista de Logan no novo filme solo, Wolverine - Imortal, possui diversas semelhanças com outro filme de super-herói recente, O Homem de Aço.

Ambos os filmes exploram a solidão de um ser com força sobre-humana que é renegado por sua natureza. Igualmente, os dois dramas que os personagens vivem são freados pelo universo explosivo criado por seus diretores – aqui o diretor da vez é o irregular James Mangold (Johnny & June, Encontro Explosivo).

Não há, afinal, muita novidade na atmosfera que o anti-herói está envolvido: Logan vive quase como um eremita, buscando impedir o seu desejo por sangue, luta contra seus demônios, apaixona-se por quem aceita sua natureza, tem pesadelos diários, além de ser atormentado por quem matou. Envolve-se em um confronto contra a máfia japonesa Yakuza para honrar a memória de um antigo amigo. Nesta perspectiva, Mangold prefere a instabilidade mental de seu personagem, o que podemos visualizar em seus closes e nos planos inclinados, aos cortes rápidos comuns nas cenas de ação. A luta que ocorre em um trem bala no Japão é fascinante.

Wolverine, assim como outros heróis, sacrifica-se em prol da humanidade com frequência, mas também é vingativo. A sua busca é a de um soldado, não a de um homem comum, procura uma morte honrada – como é ressaltado no próprio longa-metragem. Caso o objetivo de Wolverine - Imortal seja o que a importante indústria Yashida, presente no filme, aponta em seu slogan, "um olho no passado e outro no futuro", o filme encontra sua finalidade; pois, ao mesmo tempo em que aborda alguns antigos e conhecidos mutantes, também nos guia para um novo e interessante futuro mostrado na cena pós-créditos. Todavia, se quisesse recomeçar de forma marcante a busca de Logan, o filme falha miseravelmente.


*Crítica publicada originalmente no Diário Catarinense.