5 de setembro de 2013

Depois de Maio

Après mai, França, 2012. Direção: Olivier Assayas. Roteiro: Olivier Assayas. Elenco: Clément Métayer, Lola Créton, Carole Combes, Felix Armand, India Menuez, Hugo Conzelmann, Mathias Renou, Léa Rougeron, Martin Loizillon, André Marcon. Duração: 122 min.

Todos passamos por momentos de simples rebeldia na nossa adolescência ou juventude. É algo natural e que nos molda a ser o que nos tornamos no futuro. Nossas experiências juvenis acabam sendo o fator desencadeador para uma vida desiludida e lamentada ou o precursor de tornar aqueles nossos sonhos impensáveis em realidade – relacionamentos, ideais, caráter, o que seja. O futuro, logicamente, é um reflexo do passado. Nessa linha de raciocínio que o diretor Olivier Assayas inicia o seu novo longa-metragem, Depois de Maio. Gilles, afinal, é um garoto normal da década de 70: confronta o sistema, experimenta drogas, ouve seus discos favoritos, mantém as esperanças na comunicação livre, reivindica melhores condições para a população e disputa território com a brigada. Basta saber o que o personagem de Métayer tirará dessas resoluções e como guiará sua vida daqui por diante – e é aí que observamos a melancolia presente no filme.

O nosso protagonista é um estudante supostamente aplicado, mas assim que sai da aula (ou do sistema) vai para a rua vender o “único” jornal honesto da região, O Tudo – o nome não poderia ser melhor. Ele frequenta manifestações, passa a ser caçado pela polícia que ataca com cassetetes, bombas de gás, balas de borracha e massacra qualquer sinal de rebelião, pega dinheiro de seus pais para comprar outros jornais, discute política e diretrizes nas reuniões de estudantes, apaixona-se por diferentes pessoas, experimenta, troca beijos escondidos; é um garoto procurando, como todos nós, o seu lugar no mundo. Cabe destacar, aliás, o cenário criado por Dorota Okulicz que apresenta o quarto de Gilles com inúmeros quadros, posteres e fotos espalhados – inclusive uma cruz de cabeça para baixo pintada em um folheto para sublinhar o seu ar revoltoso.

A direção de Assayas, da mesma forma, evidencia esse clima juvenil nas reuniões – note, por exemplo, as rodas de violão, as festas ou eventos mais sérios de discussão – e como é passado uma sensação de instabilidade adequada. Seu domínio e segurança, ainda, são vistos quando os jovens chegam de moto em sua escola para a pichação e, sutilmente, a câmera é deslocada minimamente para cima. Além do mais, administra os contornos tristes que a narrativa assume como se estivesse escrevendo uma autocrítica. Neste caso, analise a forma com que a arte se desenvolve: primeiramente é um sinônimo de rebeldia, os periódicos são utilizados para suas vozes, o cinema é um retrato da realidade, com cadeiras nas ruas e empolgação; após esse primeiro momento, a arte não é mais a mesma, também adentrou ao sistema capitalista que eles não acreditavam. De vários amigos que participavam da construção de um jornal ou panfletos, e o mimeógrafo à manivela, Gilles vira uma figura solitária olhando para a máquina girar, e até o cinema sofre com a chegada das grandes salas e a indiferença do público (“O que achou do filme? Nada”). Em contrapartida, a montagem do falecido Luc Barnier é sem inspiração e embaraçosa em determinados instantes, como aquele em que uma personagem aparece lendo uma carta ou no insistente fade in e fade out para as passagens de tempo. Ao mesmo tempo, os atores carecem de sensibilidade – a sentença de Laure “Eu não quero que você me veja partir” perde completamente a força pela repressão dos seus sentimentos naquele momento e sua corrida tola.

Por outro lado, o figurino de Jurgen Doering para Gilles é inteligentíssimo ao equilibrar as cores conforme a narrativa cresce. Veja que o personagem começa com uma camisa com diferentes tons de tinta, retratando sua imaturidade e indecisão, e, quando se despede da namorada, ele prefere um casaco mais escuro, começando a se desprender de sua juventude. Contudo, durante a pichação, volta a usar a camiseta para destacar rebeldia. Como se não fosse o bastante, o relacionamento com Christine também é um interferente: utiliza roupas mais sociais, listradas ainda, mas mais sólidas, algumas com estampa, e contrapõe as cores claras dela – principalmente quando ambos trilham caminhos díspares. E apesar das roupas possuírem um ar de maior sofisticação, indicando a experiência adquirida, Gilles coloca um amarelo espalhafatoso no escritório de seu pai, afirmando que não é daquele lugar e está deslocado. Ainda não está pronto para o sistema.

É nessa reflexão temporal envolvendo juventude, ideais, trabalhos e frustrações que está o charme do novo filme de Assayas. Mesmo Gilles, que ainda não tem ideia de seu futuro, é um caso raro na realidade desregrada de seus amigos (“Você tem sorte. Sabe o que vai se tornar!”). E, embora não saibamos de seu destino, torcemos para ele ter acertado o caminho tomado.  

                            

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