24 de fevereiro de 2014

Inside Llewyn Davis - Balada de Um Homem Comum

Inside Llewyn Davis, EUA/Inglaterra/França, 2013. Direção: Ethan e Joel Coen. Roteiro: Ethan e Joel Coen. Elenco: Oscar Isaac, Carey Mulligan, Justin Timberlake, Ethan Phillips, John Goodman, Max Casella, Adam Driver, Stark Sands, Jerry Grayson, Garrett Hedlund. Duração: 104 min.

Não há título melhor para a nova obra dos irmãos Coen, Inside Llewyn Davis. Afinal, é a mente e a persona de seu personagem-título que nos importa, assim como o caminho escolhido por ele durante esse curto trajeto – tão quanto sua carreira musical. Como chegamos ao início do longa-metragem? O que nos trouxe até aquele momento de sua vida? Embora não ajam respostas totalmente certas para aquelas perguntas, o convívio com o personagem de Oscar Isaac nos dá uma indicação sobre isso. Davis troca royalties por um cheque independente apenas por necessitar do dinheiro imediatamente, já que abortos não esperam hits musicais.

Sob esta ótica, os Coen filmam com total melancolia o sonho utópico dos artistas: ganhar a vida fazendo o que ama. Desde um escritor até um músico, a questão é a mesma apontada por Davis num café para Jean: não é desejável a vida num subúrbio com filhos, uma conta fixa e ser tratado como capacho de estúdio, mas o poder artístico sobre si mesmo. Não precisar fazer uma música espirituosa sobre um presidente americano, mas algo intimista, uma ode à vida miserável que vive.

Nosso personagem-título é o que compõe – as desilusões, amarguras e instabilidade. Não possui um lugar fixo, dorme em sofás de diferentes pessoas, vive de favores, entre bares e os amigos são escassos. Suas letras denunciam sempre a sua condição. Nada é gratuito. Observe, por exemplo, o instante em que Llewyn Davis canta para seu pai, numa clínica, a música sobre o dia em que sonhavam com os cardumes de peixes – a cena nunca ganharia a força dramática que exibe sem acompanharmos, antes de tudo, o drama de sobrevivência de nosso protagonista e os sonhos que ele não atingiu. O olhar choroso do pai com toda aquela situação e nostalgia é comovente.

Da mesma forma, os Coen utilizam o folk para guiar o público não pelo mundo daquele gênero, apesar de uma participação final ser arrepiante, mas pela música de forma geral e sobre os sonhos e a realidade de tudo aquilo. A temática não é a busca pelo sucesso de Davis, mas por uma condição de vida. Ele acredita em sua arte, como mostra a explosão durante um jantar, e quer ser alguém dentro do ramo. Além disso, a montagem é tão instigante por nos conduzir a cada um desses episódios linearmente que toda a ação se torna ainda mais brilhante: Davis está tentando se reencontrar depois da perda do parceiro, acredita em sua música, um caso que termina em gravidez lhe tira mais uma vez de sua expectativa musical, o seu selo não lhe dá a mínima, não há mais nada que lhe segure na cidade, ele vai para Chicago, é recusado na chance de sua vida, volta para a cidade, decide trabalhar no porto, ganhar a vida, está desiludido, mas tem que cantar novamente para cobrir suas dívidas com o sindicato. Tudo está interligado, sem que esteja explícito. A profundidade aparece na simplicidade da trama.

Todavia, como não poderia deixar de ser, Inside Llewyn Davis é o filme de um ator. Se Carey Mulligan se restringe a gritar obscenidades para o protagonista e Timberlake a ser o bom moço, Oscar Isaac é sem dúvidas o personagem mais complexo do longa-metragem. Compondo alguém que parece ter saído de um livro de Kerouac, o ator é intenso em retratar a queda de sua expectativa profissional até chegar finalmente no momento mais marcante de sua performance: a resposta que dá quando um empresário diz que o reencontro com o seu antigo (e falecido) parceiro era uma grande ideia – indicando um possível pensamento suicida temeroso. John Goodman, por sua vez, faz a sua melhor atuação em anos interpretando um estranho viciado em heroína. A sequência passada no carro é possivelmente a melhor do filme.

Sempre surpreendendo por suas escolhas e pela dosagem certeira de humor, Inside Llewyn Davis termina sendo mais um acerto numa carreira de poucos erros dos irmãos Coen. E por mais que seja tão difícil para nós quanto para o personagem-título dar um adeus para aquela vida, não poderia existir outro final.   


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