31 de maio de 2014

No Limite do Amanhã

Edge of Tomorrow, EUA/Austrália, 2014. Direção: Doug Liman. Roteiro: Christopher McQuarrie, Jez Butterworth e John-Henry Butterworth, baseado no romance All You Need Is Kill, de Hiroshi Sakurazaka. Elenco: Tom Cruise, Emily Blunt, Brendan Gleeson, Bill Paxton, Jonas Armstrong, Tony Way, Kick Gurry, Noah Taylor. Duração: 113 min.

Caso enxerguemos que o cinema é feito de contextos, a época que vivemos é bem variada. Ao mesmo tempo em que o Irã nos entrega obras de grande impacto político e a Europa também vive a crise econômica na telona, os Estados Unidos vivem uma era de sci-fi teen sem precedentes. Os best-sellers que criam universos fictícios militarizados e que reverberam nas crianças passaram a dominar Hollywood com o sucesso de Jogos Vorazes, Divergente, Ender’s Game, entre outros. Sucesso aos seus respectivos modos, claro. Algo completamente diferente do domínio sci-fi dos anos 50, por exemplo, quando o pós-guerra, a bomba atômica e o anticomunismo dominavam a maioria dos filmes. No Limite do Amanhã, por sua vez, entra no mesmo panorama de Oblivion e Elysium: mundos catastróficos que requerem atos de heroísmo.

E é difícil imaginar, sob esta ótica, um nome tão eficaz quanto o de Tom Cruise para estrelar o longa-metragem: aqui, o ator usa sua imagem carismática para perdoarmos o seu marketing pessoal – o charlatão que Cage realmente é – até chegarmos a abraçá-lo como o protagonista que nasceu para ser. A montagem do filme, ao mesmo tempo, consegue estabelecer uma atmosfera eficiente para compreendermos cada ação/etapa vivida pelo ator e sua completa transformação de novato para, finalmente, honrar a alcunha de Major. Aliás, o fato de retirar o cômico (com as voltas no tempo) da tragédia é um dos grandes acertos da narrativa – como demonstra um acidente ou uma perna quebrada. E se a direção de Doug Liman é indecifrável durante as sequências de ação, algo que só funciona na instabilidade da chegada na praia à la O Resgate do Soldado Ryan, Emily Blunt igualmente desenvolve uma personagem fortíssima, que chega a esconder seu segundo nome por achar uma fragilidade sua. Assim, mesmo que o filme sacrifique sua lógica no final para manter sua atmosfera adocicada, mantém-se divertidíssimo e interessante por ter trazido protagonistas tão cativantes.

* Critica feita originalmente para o Diário Catarinense

26 de maio de 2014

Praia do Futuro

Idem, Brasil/Alemanha, 2014. Direção: Karim Ainouz. Roteiro: Felipe Bragança e Karim Ainouz. Elenco: Wagner Moura, Clemens Schick, Jesuíta Barbosa, Savio Ygor Ramos. Duração: 106 min.

Praia do Futuro é um filme extremamente seco. Não é um longa-metragem que se preocupa em deixar um gosto adocicado ou tampouco um filme de autodescoberta sexual, como muitos podem supor previamente; mas algo brutal, instável e impulsivo – assim como o seu protagonista, Donato. Alguém que passa a vida resgatando afogados, como ele. Para o protagonista, o mar não representa algo bonito, mas um significado para sua própria existência: as águas demonstram um isolamento, apesar de sua imensidão.

Sob esta ótica, Karim Ainouz sempre sugere essas transformações ao decorrer da narrativa, mudando a perspectiva: observe, assim sendo, a maneira como o diretor destaca o brilho das luzes ao lado de Konrad na praia – como se ele fosse algo diferente, algo a mais na realidade de Donato. Igualmente, o passeio de moto se torna muito mais profundo quando o observamos como dois fugitivos de sua própria realidade. Ambos parecem buscar a instabilidade como conforto: Donato, o mar; Konrad, a adrenalina proporcionada por sua motocicleta. O instante em que se encontram é marcado por sentidos, não diálogos; é quase como se já se conhecessem. Sentem um ao outro. O sexo, da mesma forma, é brutal por uma questão de necessidade, de desejo. Não é um conhecimento entre as duas partes, mas de pressa. A intimidade só vem nos beijos divididos na Alemanha, no segundo ato, quando parecemos também estar próximos de Donato e Konrad.  

Da mesma forma, o cineasta expõe com segurança a separação que existe entre eles: se um enquadramento que aponta o instante em que os dois estão sentados num sofá e um quadro com as águas como aspecto central os afasta, o figurino de Donato também serve como prova da lembrança do Brasil – note, por exemplo, o apreço pela cor azul, com seus casacos e calças jeans. É interessante, igualmente, o equilíbrio entre o azul e o vermelho (do uniforme de salva-vidas) numa cena entre os dois – apontando que, pelo menos naquele segundo, a ligação era fortíssima. Além do mais, analise como o apartamento de Berlim é uma incógnita para o espectador, como se os cômodos do lugar indicassem que a intimidade nossa (e de Donato) fosse mínima.

É uma pena, portanto, que Karim prolongue demais sua narrativa, fazendo com que fique a impressão que a história poderia ser contada em pouco mais de 50 minutos: a maneira como o diretor resgata Ayrton (com Jesuíta Barbosa sendo extremamente subaproveitado; a briga no reencontro é cômica) ou sua insistência em planos contemplativos (além de seus enquadramentos desfocados) são exemplos de sua insegurança com a dinâmica estabelecida até então. Praia do Futuro é um filme de grandes ideias, e bastante frio na forma com que lida com o emocional de seus protagonistas – principalmente na primeira parte do filme –, mas deixa seu atrevimento para um clímax nada condizente com suas intenções. 


23 de maio de 2014

Getúlio

Idem, Brasil, 2014. Direção: João Jardim. Roteiro: Tereza Frota e George Moura. Elenco: Tony Ramos, Drica Moraes, Thiago Justino, Alexandre Borges, Clarisse Abujamara, Caco Baresi, Michel Bercovitch, Luciano Chirolli. Duração: 100 min.

Existe certa similaridade no argumento de Getúlio com o de outras obras que humanizam ditadores. Num determinado instante, por exemplo, João Jardim trata de destacar o presidente possuindo dificuldades em algo tão simples como amarrar os sapatos, enquanto inúmeros problemas de cunho político o cercam. Mas se num ponto de vista histórico-idealista, Getúlio Vargas não era um sujeito que poderia ser considerado um “ditador comum”, tampouco o diretor oferece algo que apresente profundidade à figura complexa daquele gaúcho que mudou para sempre a história do país, limitando-se a contar com a atuação de Tony Ramos.

Não que isso aponte o que há de pior no longa-metragem, pois, muito pelo contrário, o ator protagoniza através de algumas particularidades o que Getúlio realmente poderia ser: um grande estudo de personagem. Tentando afastar dos pensamentos que um de seus filhos poderia estar envolvido num grande esquema de corrupção ou uma das pessoas com quem convivia diariamente poderia estar envolvida num assassinato, Ramos ostenta em seus gestos – muito mais que nas palavras – o que passa em sua mente. Assim, as ações que o levam até o esperado clímax ficam muito mais impactantes, ainda que o diretor falhe em assegurar essa tensão. Um dos melhores momentos do filme, aliás, é justamente quando um constantemente atacado Vargas sorri timidamente quando aplaudido em um evento, após passar cabisbaixo por um corredor de pessoas o julgando.

Mas se Tony Ramos procura criar um sujeito que não seja unilateral, o restante do elenco cai no exagero ligado ao filme: Dantas como líder da oposição ou Borges como Carlos Lacerda são sempre verdadeiros canalhas, o que também retrata a parcialidade do roteiro desenvolvido por Frota e Moura. Além disso, os dois roteiristas sempre tentam sugerir um paralelo atual para a história, orientando o público sobre um gabinete tomado de corrupção sem conhecimento do Presidente da República; mas sem passar do tom superficial.

Todavia, o amadorismo de João Jardim se sobressai mais que outros problemas. Ao tentar manter um clima breguíssimo de mistério, como os enquadramentos de portas entreabertas sugerem, o diretor ainda investe inexplicavelmente em tomadas breves e inorgânicas – observe, assim sendo, o momento em que o prato de arroz e feijão do presidente é mostrado apenas para sublinhar a sua “humildade” ou uma personagem jogando um copo contra a parede sem qualquer indício prévio. Aliás, suponho que o processo de decupagem do filme deve ter sido caótico, tendo em vista a tara de Jardim por longos planos concentrados nos lustres do catete. Além do mais, subestimando por completo a inteligência do espectador, o cineasta acha uma ideia brilhante colocar legendas especificando cada ministro numa reunião com o presidente.

Explorando o perfil de Vargas, sempre acompanhado de seu charuto, o maior erro de João Jardim é acreditar que o ritmo do filme é ditado por quantos planos ele tem; não por sua substância. Desta forma, Getúlio acaba sendo uma narrativa demasiadamente inchada e muito distante de seu retratado.


21 de maio de 2014

O Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de Electro

The Amazing Spider-Man 2, EUA, 2014. Direção: Marc Webb. Roteiro: Alex Kurtzman, Roberto Orci e Jeff Pinkner, baseado nos quadrinhos de Stan Lee e Steve Ditko. Elenco: Andrew Garfield, Emma Stone, Jamie Foxx, Dane DeHaan, Colm Feore, Felicity Jones, Paul Giamatti, Sally Field, Embeth Davidtz, Campbell Scott. Duração: 142 min.

Basicamente, o problema de O Espetacular Homem Aranha residia no desconforto de Marc Webb com as suas sequências de ação. Desta forma, explorando muito mais o relacionamento de Peter e Gwen, numa espécie de “teenager-hero-movie”, o diretor focalizava sua força numa estrutura dramática em que interessava muito mais o romance dos dois que o contexto heroico do personagem. Porém, quem é o público do super-herói e o que ele procura? Esta é exatamente a pergunta que Webb acredita ter desvendado nessa sequência.

Porque é expondo uma veia muito mais cômica e madura, na forma com que explora todas as lacunas deixadas pelo filme anterior, que o longa-metragem ganha sua força: aliando a vida pessoal de Peter com suas responsabilidades sociais, a narrativa introduz muito mais um estudo de personagem que, novamente, um filme de super-herói. Assim, Webb adiciona o paralelo solitário entre as responsabilidades como Peter Parker – rasas, pouquíssimas e nada profundas – com sua popularidade como Homem-Aranha.

E é exatamente sob esta ótica que Andrew Garfield parece crescer como ator, pois emprega a arma que muitas pessoas com depressão utilizam em instantes de relacionamentos interpessoais: o humor. Não à toa, é fácil não encontrar razão para diagnosticar alguém que parece estar sempre se divertindo como depressivo, ainda que a insegurança e timidez nos momentos cruciais comprometam esse sentimento. Garfield é eficiente em apontar que a máscara de Homem-Aranha não serve apenas como esperança popular, mas esperança própria. Como todo rapaz novo, aliás, troca as cicatrizes prematuras do personagem de Raimi, nos filmes com Tobey Maguire (cujo talento para isto freava qualquer intenção do diretor), para algo mais crível para sua idade: o destempero com que trata a vida do crime, com uma curiosidade aguçada, além de ser engraçado e descolado, algo que acaba deixando um pouco para Peter também – que é o que mais necessita desta camada pessoal.

Repetindo sua personagem, com o interesse pela personalidade incomum de Peter Parker (sempre nos lembrando de que se apaixonou pelo garoto, não pelo herói), Emma Stone desenvolve Gwen Stacy com uma personalidade ainda mais forte que a do filme anterior, colocando sua vida pessoal antes de qualquer outra coisa. Ao mesmo tempo, a química entre os dois atores funciona outra vez, fazendo com que permitimos entender a decisão final de ambos e tornar a sequência final muito mais dolorosa.

Além do mais, o filme possui muito mais apego as histórias originais dos quadrinhos, caindo muitas vezes de propósito no caricatural, como todas as sequências envolvendo o personagem de Paul Giamatti ou a primeira luta entre Homem Aranha e Electro (a mangueira é impagável). Por outro lado, a atmosfera caricatural do longa-metragem faz com que seja um pouco dúbio o processo: vezes parecendo se encaixar muitíssimo bem, outras nem tanto (o uso do vilão de Osborn, por exemplo). O desconforto de Webb com as sequências de ação, igualmente, retornam quando o clímax precisa ser desenvolvido – somente encontrando a substância necessária com Gwen e Peter.

Mais interessante que o seu primeiro filme, ainda que menos atrevido, O Espetacular Homem Aranha é mais um filme raso tendo um personagem da Marvel como destaque, mas divertido.


19 de maio de 2014

Godzilla

Idem, EUA/Japão, 2014. Direção: Gareth Edwards. Roteiro: Max Borenstein, baseado na história de Dave Callaham. Elenco: Aaron Taylor-Johnson, Elizabeth Olsen, Ken Watanabe, Bryan Cranston, Sally Hawkins, David Strathairn, Carson Bolde, CJ Adams, Juliette Binoche. Duração: 123 min.

Existem três definições comuns na linguagem cinematográfica japonesa: o bakenoko mono, histórias de gatos fantasmas; o kaidan eiga, que envolve lendas, literatura e tradições; além do mais conhecido, o diakaiyu eiga, narrativas com monstros gigantescos. E antes de Godzilla ser repatriado, no abominável filme americano de 1998, o contexto social específico tornou Gojira (seu nome original) conhecido mundialmente na década de 50. Afinal, no panorama cinematográfico que o pós-guerra gerou ao redor do mundo, o Japão expora as suas próprias sequelas, em 1954, apenas nove anos depois das bombas nucleares destruírem Hiroshima e Nagasaki. O monstro radioativo que invadia as telas, embora fosse um chamariz eficiente de público, não era a principal abordagem; pelo contrário, as pessoas atingidas por ele, sim. Não à toa, o cineasta japonês Ishirô Honda coloca aqui e ali cenas em que muitos estão dormindo, fazendo uma refeição ou brincando uns com os outros quando ouvem o primeiro estrondo e correm por suas vidas, mas sem ter para onde ir. “Enquanto existir testes nucleares, é possível que um novo Godzilla apareça em algum lugar do mundo”, diz um dos personagens.

Obviamente, contudo, isso não importava na esfera econômica americana, que se aproveitou do imenso sucesso que Gojira fez pelo oriente e ambientou as destruições feitas pelo monstro em solo americano – ao mesmo tempo, trazendo o problema mais para perto. Não é de se estranhar, portanto, a presença exacerbada do exército americano, mísseis e o “american way” nesta nova versão de Gareth Edwards. Sem a mesma suposição dos anos 50, o diretor aproveita as nuances nostálgicas do monstro, sua época e suas repaginações.

E é construindo padrões para orientar público e personagens que Edwards se sai parcialmente bem em apresentar a trama a que se propõe: monstros gigantescos que sobrevivem de radiação (o que basicamente moveu o sci-fi pós-guerra) tentando acasalar e repovoar o nosso planeta; algo que só pode ser parado por um antigo adversário da humanidade, que agora passa a “protegê-la”: Godzilla. Assim, ainda que apenas sugestione a ação que irá ocorrer nos próximos atos, a narrativa já inicia de forma promissora com um enquadramento que demonstra personagens descobrindo fosseis, que indicam que eles estão entrando nas entranhas do monstro. Da mesma forma, uma sutil passagem de um reptil para um soldado armado em determinado instante é bem agradável, além do apego com seus principais personagens. Até porque, guiando-se do mesmo modo que o original, Edwards aponta para o clima de desolação vivido pelos humanos; nunca foi o monstro o mais importante, mas quem era atingido por ele – numa perfeita analogia à bomba atômica.  Aliás, a introdução com o título surgindo das cinzas dos testes nucleares é o momento mais brilhante do longa. 

Como se não fosse o bastante, o diretor arranja tempo para abraçar a maioria dos espetáculos catastróficos: mortes numa usina, num tsunami, pessoas saqueando lojas, engarrafamentos intermináveis, pessoas fugindo sem ter aonde ir, entre outros.

É uma pena, portanto, que é exatamente na forma escolhida, o relacionamento entre os protagonistas, a maior dificuldade de Gareth Edwards. Desenvolvendo uma expectativa muito maior quando usa os anos 90 como plataforma, os Brody são exatamente o que há de pior em Godzilla, pois a execução emocional acaba sendo pífia. E se Cranston convence ao perder sua mulher, numa sequência digníssima, Aaron Taylor-Johnson (transformado por esteroides) parece estar sendo obrigado a chegar ao final do filme – assim, freando por completo qualquer receio do espectador com seu futuro. 

Todavia, mesmo com a previsibilidade, o poder de sugestão presente na narrativa quase ofusca os problemas: e ainda que dê para condenar o corte feito no segundo em que os monstros encontram o personagem-título, as mudanças de perspectiva sempre denotam a maior importância aos seres humanos – embora não cumpridas. A aparência de Godzilla, por sua vez, é um espetáculo. Explorando cada detalhe das escamas do monstro e sua feição pré-histórica, as cenas das lutas são interessantes, apesar de rápidas: o personagem-título abocanhando pelo pescoço uma das aves ou a atingindo com a cauda são bons exemplos.

Por fim, Godzilla pode não ter trazido todo o potencial que os fãs esperavam de uma nova “aventura” protagonizada pelo monstro, mas continha os ingredientes certos para que entrasse na história da franquia. É um filme com boas intenções, mas sem alma.