19 de maio de 2014

Godzilla

Idem, EUA/Japão, 2014. Direção: Gareth Edwards. Roteiro: Max Borenstein, baseado na história de Dave Callaham. Elenco: Aaron Taylor-Johnson, Elizabeth Olsen, Ken Watanabe, Bryan Cranston, Sally Hawkins, David Strathairn, Carson Bolde, CJ Adams, Juliette Binoche. Duração: 123 min.

Existem três definições comuns na linguagem cinematográfica japonesa: o bakenoko mono, histórias de gatos fantasmas; o kaidan eiga, que envolve lendas, literatura e tradições; além do mais conhecido, o diakaiyu eiga, narrativas com monstros gigantescos. E antes de Godzilla ser repatriado, no abominável filme americano de 1998, o contexto social específico tornou Gojira (seu nome original) conhecido mundialmente na década de 50. Afinal, no panorama cinematográfico que o pós-guerra gerou ao redor do mundo, o Japão expora as suas próprias sequelas, em 1954, apenas nove anos depois das bombas nucleares destruírem Hiroshima e Nagasaki. O monstro radioativo que invadia as telas, embora fosse um chamariz eficiente de público, não era a principal abordagem; pelo contrário, as pessoas atingidas por ele, sim. Não à toa, o cineasta japonês Ishirô Honda coloca aqui e ali cenas em que muitos estão dormindo, fazendo uma refeição ou brincando uns com os outros quando ouvem o primeiro estrondo e correm por suas vidas, mas sem ter para onde ir. “Enquanto existir testes nucleares, é possível que um novo Godzilla apareça em algum lugar do mundo”, diz um dos personagens.

Obviamente, contudo, isso não importava na esfera econômica americana, que se aproveitou do imenso sucesso que Gojira fez pelo oriente e ambientou as destruições feitas pelo monstro em solo americano – ao mesmo tempo, trazendo o problema mais para perto. Não é de se estranhar, portanto, a presença exacerbada do exército americano, mísseis e o “american way” nesta nova versão de Gareth Edwards. Sem a mesma suposição dos anos 50, o diretor aproveita as nuances nostálgicas do monstro, sua época e suas repaginações.

E é construindo padrões para orientar público e personagens que Edwards se sai parcialmente bem em apresentar a trama a que se propõe: monstros gigantescos que sobrevivem de radiação (o que basicamente moveu o sci-fi pós-guerra) tentando acasalar e repovoar o nosso planeta; algo que só pode ser parado por um antigo adversário da humanidade, que agora passa a “protegê-la”: Godzilla. Assim, ainda que apenas sugestione a ação que irá ocorrer nos próximos atos, a narrativa já inicia de forma promissora com um enquadramento que demonstra personagens descobrindo fosseis, que indicam que eles estão entrando nas entranhas do monstro. Da mesma forma, uma sutil passagem de um reptil para um soldado armado em determinado instante é bem agradável, além do apego com seus principais personagens. Até porque, guiando-se do mesmo modo que o original, Edwards aponta para o clima de desolação vivido pelos humanos; nunca foi o monstro o mais importante, mas quem era atingido por ele – numa perfeita analogia à bomba atômica.  Aliás, a introdução com o título surgindo das cinzas dos testes nucleares é o momento mais brilhante do longa. 

Como se não fosse o bastante, o diretor arranja tempo para abraçar a maioria dos espetáculos catastróficos: mortes numa usina, num tsunami, pessoas saqueando lojas, engarrafamentos intermináveis, pessoas fugindo sem ter aonde ir, entre outros.

É uma pena, portanto, que é exatamente na forma escolhida, o relacionamento entre os protagonistas, a maior dificuldade de Gareth Edwards. Desenvolvendo uma expectativa muito maior quando usa os anos 90 como plataforma, os Brody são exatamente o que há de pior em Godzilla, pois a execução emocional acaba sendo pífia. E se Cranston convence ao perder sua mulher, numa sequência digníssima, Aaron Taylor-Johnson (transformado por esteroides) parece estar sendo obrigado a chegar ao final do filme – assim, freando por completo qualquer receio do espectador com seu futuro. 

Todavia, mesmo com a previsibilidade, o poder de sugestão presente na narrativa quase ofusca os problemas: e ainda que dê para condenar o corte feito no segundo em que os monstros encontram o personagem-título, as mudanças de perspectiva sempre denotam a maior importância aos seres humanos – embora não cumpridas. A aparência de Godzilla, por sua vez, é um espetáculo. Explorando cada detalhe das escamas do monstro e sua feição pré-histórica, as cenas das lutas são interessantes, apesar de rápidas: o personagem-título abocanhando pelo pescoço uma das aves ou a atingindo com a cauda são bons exemplos.

Por fim, Godzilla pode não ter trazido todo o potencial que os fãs esperavam de uma nova “aventura” protagonizada pelo monstro, mas continha os ingredientes certos para que entrasse na história da franquia. É um filme com boas intenções, mas sem alma.


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