24 de setembro de 2014

Isolados

Idem, Brasil, 2014. Direção: Tomas Portella. Roteiro: Mariana Vielmond e Tomas Portella. Elenco: Bruno Gagliasso, Regiane Alves, Juliane Alves, Orã Figueiredo, Silvio Guindane, Debora Olivieri, José Wilker. Duração: 90 min.

Há uma seqüência específica em Isolados que basicamente reflete toda a confiança que o diretor deposita no espectador: após voltar vinte e cinco anos no tempo para mostrar a personagem de Regiane Alves encontrando seu pai morto na cama, a informação é reafirmada segundos depois pelo personagem de Bruno Gagliasso. Algo que aponta para duas probabilidades: ou o cineasta calcula que todos os espectadores são acéfalos ou que são desprovidos do dom da visão. 

Escrito por Tomas Portella e Mariana Vielmond, afinal, a seqüência descrita não é um caso deslocado. Orientado-se pelos clichês do gênero sem que compreenda o significado de homenagem e falta de intenção, Portella utiliza uma fórmula que não apenas é desgastada, mas que carece de inteligência. E se o primeiro (e longo) plano-sequência do início - com quadros simples sendo fonte de terror e a essência do clima campestre, humilde e isolado sendo indicada - parece promissor, a trilha sonora intrusiva de Lucas Marcier e Fabiano Krieger imediatamente frustra qualquer promessa de eficiência ao ofuscar por completo a edição de som. E é notável que tenha passado despercebido pela montagem a ausência do maior temor da primeira vítima: a sensação de estar sendo vigiada através dos sons da mata.

Do mesmo modo, a correria instável com a moça sendo puxada, a câmera subjetiva para dar sinais de perseguição e a paixão por planos detalhes, jogo de foco e profundidade de campo denuncia o amadorismo de Portella na direção, que em todo momento quer passar a sensação de que existe um diretor ali. A cena em que um cigarro é aceso no fogão ou dois médicos caminham ao fundo com uma vassoura na frente, quase num jogo de hipnose, são exemplos óbvios.

Entretanto, é no roteiro o principal problema da narrativa. Conferindo uma previsibilidade desde o princípio, Portella e Vielmond parecem não ter noção alguma do que fazer com o argumento que têm em mãos: assim, observe o momento em que o casal para no bar pra pedir uma informação, a fim de "apenas" o protagonista saber o que anda acontecendo na região e citar pela primeira vez o quanto sua mulher é impressionável. Logo depois, veja como o personagem mostra o mapa ao dono do bar, buscando uma informação, mas vai embora sem ela e - pasmem! - sem o mapa. Mas se esses erros de continuidade não parecem importantes para os realizadores, o mesmo não se pode dizer da insistência em informações que já havíamos entendido cenas antes.

Deste modo, torna-se um grande exercício de paciência o número de vezes que Lauro afirma que sua esposa é sugestiva e impressionável, chegando ao cúmulo dela mesma reiterar que, sim, é impressionável e visualizarmos uma maleta de remédios para, sim, mostrar que ela é impressionável.  Ao mesmo tempo, a montagem de Marcelo Moraes é infantil ao tratar de, a cada momento, usar algum letreiro para apontar o período em que estamos. Sem contar as finalidades por trás dos flashbacks: como, por exemplo, Renata chegar correndo ao hospital desesperada procurando Lauro para... o quê? É difícil dizer, já que ninguém parece mais se lembrar dela no decorrer do longa-metragem e sugestiona ter nascido apenas para inchar uma trama que poderia ser finalizada em 15 minutos. 

Claro que alguns sustos são produzidos para lembrar que, sim, trata-se de um terror e, sim, vamos continuar reafirmando isso. E é risível a forma como o diretor tenta interligar os sustos com o que está passando em tela: a sequência com uma boneca, a melhor do filme, só acontece porque - olhem só - a boneca lembra Renata de uma boneca igual que ela teve na infância. Impressionante.

Além disso, o processo de tormento de Lauro é ainda pior por não conseguirmos cultivar simpatia por um personagem controlador e quase criminoso na maneira como trata sua mulher (desde agressões físicas e morais até xingamentos convencionais). Por consequência, as desculpas para os personagens continuarem sitiados se torna insuportável, desde uma volta ao carro ("Faz sentido eu ter deixado a chave lá!") ou uma personagem retornar somente para deixar Lauro e Renata mais um pouco naquele lugar. 

E seria ilógico não comentar o maior ponto de virada do roteiro, neste caso; portanto, se você ainda não assistiu ao filme, eu sugiro parar por aqui e só retomar a leitura no parágrafo final. Tentando sustentar um roteiro insustentável, Portella e Vielmond procuram retratar uma perda de controle mental que nunca soa sólida, fazendo com que apenas pareça que o médico pegou uma "loucura transmissível" de sua esposa, o que torna tudo um pouco mais ridículo. Tão absurdo que os dois põem um grande flashback para explicar como teria sido cada cena, um recurso que espelha perfeitamente a resolução. Pois se uma pessoa deitar de bruços e bem, após uma fratura exposta e depois de ter dormido por 36 horas, conversando sobre uma paixão por cadáveres, não indica qual será o clímax, não dá para imaginar o que advertiria.

Sem tensão, inteligência e intenção, Isolados é uma obra brasileira que decepciona por dois grandes motivos: o primeiro deles, afastar o público de uma onda fascinante de diretores brasileiros de terror (Rodrigo Aragão, Marco Dutra, Juliana Rojas, Fabiano Soares, Ulisses da Motta Costa) por achar que o gênero no país não tem grandes ideias; segundo, por deixar locações tão bonitas e que renderiam planos tão tensos render seu resultado final. O que penso ser muito mais assustador. 


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