25 de outubro de 2014

Homem Mais Procurado, O

A Most Wanted Man, Inglaterra/EUA/Alemanha, 2014. Direção: Anton Corbijn. Roteiro: Andrew Bovell, baseado no livro de John le Carré. Elenco: Philip Seymour Hoffman, Grigoriy Dobrygin, Nina Hoss, Daniel Brühl, Robin Wright. Duração: 122 min.

É dificílimo definir por completo a personalidade de Günther Bachmann. Enquanto analisamos seu comportamento considerável e preocupado com as mulheres que o cercam, por exemplo, mostrando um ódio ao machismo escancarado numa cena passada em um bar; logo depois, o mesmo personagem praticamente joga uma advogada contra uma cadeira para buscar a informação que necessita. Da mesma forma, a sua atitude controladora, firme, prepotente, irônica, difere-se de sua curvatura, mãos no bolso, olhar cabisbaixo e a forma como caminha, denunciando quase uma temerosidade quanto ao fato de estar sendo encarado ou julgado. É uma figura paradoxal. E é nesta “falta de respostas” de Corbijn e na soberba atuação de Philip Seymour Hoffman que O Homem Mais Procurado se torna uma obra tão relevante e inesquecível.

Estabelecendo metáforas com seus personagens e seus caminhos, como indica a cena inicial em que vemos uma água suja, quase revolta, uma parede e um homem saindo daquele buraco, Corbijn emprega a figura de Günther como sua principal força motora. Assim, as ações do protagonista passam a ditar instantes da narrativa: a começar pela hábil fotografia de Benoît Delhomme, que diversifica por duas vezes o uso da paleta de cores na história – na primeira, a dessaturação é trocada por cores muito mais vivas a partir do interrogatório, quando o protagonista passa a pensar que tenha conseguido o que queria; a segunda, posteriormente, ainda mais emblemática, devolve os tons mais quentes para a trama quando é Günther que percebe que está sendo avaliado e debocha com desdém da americana que acredita estar fazendo o mundo um lugar melhor. Para ele, é apenas mais um dia de trabalho. Em algo que ele é bom. Incrivelmente bom.

Ainda assim, é notável como se sente desconfortável com seu cotidiano, embora concentre toda as suas forças e inteligência em seus casos. O vício na bebida e cigarros (e gosto muito da cena em que batiza um café forte com seu uísque) só não corrobora mais com seu sofrimento do que os enquadramentos de Corbijn, que sempre coloca no cenário algo que deixe sua figura incompleta: um notebook inclinado ou uma deformação num prédio. É, afinal, Günther não se mostrando por completo, e existem diversas cenas que complementam esse aspecto. Ao mesmo tempo, o figurino sublinha esse apelo ao indicar Hoffman sempre com a mesma roupa e o mesmo sobretudo, a não ser quando usa uma gravata para uma reunião formal e, noutra cena, onde para fisgar seu peixe, numa isca perfeitamente plantada, o personagem se veste quase como um típico pescador americano.

O cineasta também é eficiente em retratar a divisão entre dois extremos continuamente na trama, ao convencionalmente inserir uma intersessão no meio de duas pessoas ou caminhos díspares. E basta observar a cabeça do banqueiro Tommy Brue ao meio de um canal, o mesmo lugar sujo de onde Issa saiu; a divisão racional no uísque com dois cubos de gelos; Günther e Martha num café com uma pessoa ao fundo os separando; Issa entre Brue e a advogada no apartamento; a transação no banco e a separação por um computador; entre outros casos. A proposta do mistério é simples, mas bem articulada: “siga o dinheiro”. A montagem de Claire Simpson é muito boa ao criar uma série de paralelos correspondentes a atmosfera de investigação – um personagem surge, outro passa por ele e nos leva até uma escuta ou a outra pessoa. Todos estão interligados. Sem existir coincidências gigantescas ou romantismos.

Numa trama em que todo mundo parece enganar todo mundo, claro, não há tempos para amores ou salvações. Issa deixando a cabeça para a fora do plástico que o esconde, num apartamento abandonado, mas deixando o seu corpo do lado de dentro, ressalta exatamente isso: alguém que não quer se entregar completamente. Não à toa, a respiração pesada de Günther e o grito do clímax não soam como desespero, mas como um desabafo. Após tantos dias, tempo, sofrimento, nem a sua própria casa o conforta. No piano, solitário, ele tenta tocar algumas notas perfeitas, mas elas são cortadas abruptamente, ficando inacabadas. Como sua carreira. Uma triste metáfora para o fim de um gênio.    


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