20 de janeiro de 2015

Leviatã

Leviafan, Rússia, 2014. Direção: Andrey Zvyagintsev. Roteiro: Oleg Nogin e Andrey Zvyagintsev. Elenco: Elena Lyadova, Vladimir Vdovichenkov, Aleksey Serebryakov, Roman Madyanov, Anna Ukolova. Duração: 140 min. 

Indicando que uma sociedade feliz e bem servida é aquela em que bebida, carne e armas são exemplos de fartura, Leviatã é um finíssimo exemplo de como o humor negro pode intercalar o drama intenso e o colapso social e familiar. O diretor Andrey Zvyagintsev, afinal, raciocina acerca da destruição dos sonhos e futuro visualizada na demolição de uma casa. Mais que isso, analisa inteligentemente uma justiça que funciona para poucos e cria quase uma obsessão com os pequenos infratores. 

Assim, a lei sendo lida com extrema rapidez, como se fosse somente um cumprimento de metas, sem se importar com quem está sendo julgado, é um exemplo natural desse apelo; bem como o retrato de Putin com os olhos tapados no enquadramento, que salienta uma reunião na prefeitura para discutir uma chantagem. É notável, além disso, o terreno que o russo constrói para nos indicar que, sim, a justiça é ausente naquela região: numa excelente sequência com Dmitri procurando algum oficial para tratar de uma prisão ilegal. Do mesmo modo, o uso satírico da política é sempre inspirado, o que resulta no hilário tiro ao alvo com retratos de políticos. Sem contar a reveladora conversa entre um cardeal e um político, a qual denuncia dois tipos de poderes lascivos (“Você tem o seu território, eu tenho o meu!”).
Igualmente, a família também é fruto da análise do cineasta. Começando pela personagem de Elena, que se vê impedida em sua própria casa – e basta observar, neste caso, como a câmera sempre costuma ficar afastada dela, apenas se aproximando intensamente no momento em que beija Nikolai no primeiro ato; depois, as reações nos closes, onde notamos a primeira vez que Dmitri encanta Lilya (o instante em que ambos entram no mesmo quadro, bêbados e felizes. Uma felicidade que ela necessitava); e, finalmente, o despreparo familiar para lidar com perdas e instabilidade: Lilya se sentindo sufocada pelo braço do marido, o filho com complexo de édipo, a despreocupação com o paradeiro das crianças (“Onde estão os seus filhos?”), etc. 

Zvyagintsev faz do humor a sua principal arma, o que torna o desolador terceiro ato ainda mais cruel. Se num primeiro momento a briga de bêbados entre prefeito e desempregado era um gracejo popular; noutro, a sentença de que o “estado cuidará de alguém” surge amedrontadora. No tempo de instabilidade econômica, corrupção e a religião como instrumento propagador de ódio, o recado do russo acaba sendo muito mais brilhante do que poderíamos imaginar. Para ele: tudo é culpa de todos.

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