28 de novembro de 2015

Sr. Holmes

Mr. Holmes, Inglaterra/EUA, 2015. Direção: Bill Condon. Roteiro: Jeffrey Hatcher, baseado no romance de Mitch Cullin e nos personagens de Arthur Conan Doyle. Elenco: Ian McKellen, Laura Linney, Milo Parker. Duração: 104 minutos.

Na plenitude de sua decadência, Sr. Holmes é um título ilustrativo para um homem que há muito deixou de ser chamado pelo primeiro nome. Sherlock é apenas o que aquele senhor já foi, uma sombra do passado, que aos poucos se esvai de uma debilitada mente. Na obra de Bill Condon, a senilidade versus a mocidade importa muito mais do que os plots mal realizados. 

Para familiarizar o espectador com a drástica mudança, Ian McKellen empresta suas nuances para se tornar memorável na pele de um vencido Sherlock Holmes. Com uma rabugice ainda mais acentuada que a do personagem de Conan Doyle, o britânico expõe a condição que se encontra com uma naturalidade ímpar, reforçando o sofrimento na obra – algo que o instável roteiro não faria sozinho. 

Desta forma, a própria maneira de tatear os lugares por onde passa e a constante análise de suas mangas demonstram que, ao mesmo tempo em que Sherlock tenta não perder a postura elegante que sempre esbanjou, ele está constantemente pronto para encontrar algo ou, melhor, apoiar-se em algo. Literal e figurativamente. Com inteligência, mantendo-se neste ponto, McKellen denuncia na própria forma como segura sua bengala: da imponência para a fragilidade. 

É com a debilidade de seu protagonista, que o efeito de uma frase tão simples (“não se pode resolver tudo”) ganha uma conotação tão triste. O mesmo com os presságios que a trama adiciona aqui e ali para dar um sabor mais doce para uma obra amarga. Se o relacionamento com Roger parece resgatar uma mocidade que havia sido perdida com Watson, ao encará-lo deitado picado por vespas, Holmes desaba junto a ele – no acúmulo das dores que não se atrevia a sentir. 

Fechando os olhos pontualmente, numa combinação perfeita de desdém e tristeza, por ninguém o entender, Ian McKellen confere uma dramaturgia fascinante a um homem que sempre foi descrito como tal. Provando que, ainda que seja um caso de vespas, o mistério, a solidão e a essência de Sherlock Holmes permanecem imutáveis. 



23 de novembro de 2015

A Verdade sobre Marlon Brando

  “Quando a câmera está em você, o seu rosto se torna o palco. Ele é sua arte. E tudo faz parte: o olhar, sua boca. É seu dever tornar os filmes genuínos.”

Listen To Me Marlon, Inglaterra, 2015. Direção: Steven Riley. Roteiro: Steven Riley e Peter Ettedgui. Com: Marlon Brando. Documentário. Duração: 103 minutos.

Como um poema sonoro, Listen to Me Marlon contempla mais do que o mito; o ser humano. Não é o que percebemos de Marlon Brando, sua influência ou as perspectivas diferentes sobre suas ações, ainda que tudo esteja lá; é a visão do artista sobre si, e suas confidências. 

Marlon não liga pra o que os outros pensam dele. Mas para o que ele sente dentro de si. Assim, o documentário serve como um tradutor das maneiras, anseios e neuras do ator, que se relaciona consigo mesmo com uma honestidade acolhedora: ao falar sobre sua compulsão por comida, por exemplo, Marlon Brando revela sentir que ela é sua única amiga, quando chega em casa; igualmente, alguns detalhes de sua vida sexual surgem à tona, algo que se torna quase triste quando o ator assume que o seu pênis passou a ter agenda própria e que pouco é racional sobre esse estilo de vida.

Listen To Me não parece um pedido de socorro, é apenas um retrato. Que fala sobre problemas paternais, o mundo de negócios, onde a arte é pouco apaixonante, e a popularização do método é uma decorrência da busca pelo tom mais tangível. “Todos atuamos, alguns são pagos para isso”, pensa Marlon Brando sobre seu papel na indústria.

Afinal, o quanto podemos entrar no mundo dos bastidores, com Brando se entregando, expondo-se, em um último retrato? Em cada sequência, o documentarista Steven Riley se esforça para não ser evasivo em nenhum dado: tornando a figura do ator trágica e icônica, ao mesmo tempo.

Se a comparação entre a atuação e uma luta de boxe que o ator faz durante o segundo ato é homérica, o documentário é um acréscimo mais humano ao que seria o maior pugilista de todos, que continuamente nos nocauteou: com seus gestos, atitude, olhares e, claro, sua voz.

17 de novembro de 2015

Olmo e a Gaivota

Olmo & the Seagull, Dinamarca/Brasil/França/Portugal/Suécia, 2015. Direção: Petra Costa e Lea Glob. Roteiro: Petra Costa e Lea Glob. Elenco: Olivia Corsini, Serge Nicolai, Pancho Garcia Aguirre. Duração: 87 minutos.

Poucas personagens são tão pertinentemente contemporâneas quanto Olivia (a brilhante Olivia Corsini), que empresta sua personalidade, físico e psique para as lentes de Petra Costa e Lea Glob desenharem a percepção da mulher moderna na sociedade e como ela pode ser prisioneira dentro de sua própria realidade. É quase num grito de socorro que transcorre as discussões de Corsini e Nicolai, os quais transitam entre as fases mais instáveis de um relacionamento: se o homem parece ter a compreensão sobre a situação da mulher, num primeiro momento, logo passa a se mostrar mais individualista com a nova rotina do casal.

Desta forma, Petra e Lea cativam por constantemente nos manter próximos de Olivia e a dubiedade que o bebê traz à sua vida. Se no início, as intenções dela de continuar sua carreira são demonstradas num jantar, onde ela defende que um filho não significa abnegação da vida e carreira; o instante posterior, que descobre ter que ficar de repouso para manter o bebê vivo, acaba soando muito mais forte para o futuro da personagem – agora, tendo que repensar praticamente tudo. As diretoras conseguem, igualmente, demonstrar a forma como a mulher pode ser descartada de um trabalho por uma gravidez ou como até pessoas próximas indicam que a tarefa da mãe é exatamente direcionar atenção as questões domésticas, quando o filho vira uma realidade.

Fica difícil não simpatizar com o sofrimento de Olivia, portanto, que tenta a todo custo ter sua liberdade. Até as coisas mais simples, como o fato das horas do marido fora de casa, antes não sentidas, pelo contato, tornam-se imprescindíveis para o equilibrio dela. É o amor que a mantém psicologicamente saudável. Deste modo, desde a primeira ligação de Olivia e Serge separados por uma porta, enquanto ela faz o teste de gravidez, no embalo de uma música, a cumplicidade se mostra importantíssima. Não à toa, a forma que a reconecção do casal se dá justamente no mesmo lugar, quando Serge acha na música com os amigos uma maneira de trazer Olivia de volta.

Ainda que o estilo de Petra na narração em off e nos flashbacks ainda destoem da realidade de Olivia e Serge, Olmo e a Gaivota é um documentário importantíssimo que nos transporta para uma ótica feminina sobre o nascimento, a qual confronta as concepções machistas persistentes dentro de uma sociedade que vê a maternidade como uma responsabilidade exclusiva da mulher. 



12 de novembro de 2015

007 Contra Spectre

Spectre, Inglaterra/EUA, 2015. Direção: Sam Mendes. Roteiro: John Logan, Neal Purvis, Robert Wade, Jez Butterworth, baseado na história dos três primeiros. Elenco: Daniel Craig, Léa Seydoux, Christoph Waltz, Ralph Fiennes, Monica Bellucci, Ben Whishaw, Naomie Harris, Dave Bautista, Andrew Scott. Duração: 148 minutos.

Após o filme mais autoral de James Bond, é no mínimo confuso que Sam Mendes tenha proposto homenagear uma franquia que havia decidido esquecer previamente. Interligando a “era Craig”, o inglês tenta construir uma obra romântica, aventureira e dramática ao mesmo tempo, mas sendo eficiente só na construção de um passatempo esquecível.

Não que Spectre não tenha sequências extraordinárias ou bem pensadas por Mendes. Muito pelo contrário, o diretor acerta na maneira de lidar com a instabilidade moral do personagem de Craig através dos filmes – observe que, se antes o víamos chegar por trás de um criminoso para dizer seu nome antes de matá-lo, a mesma cena retorna em Spectre com uma conclusão diferente: Bond encara Blodfeld de frente, na mira de sua arma.

Porque James Bond é um homem mudado. O início brutal de Cassino Royale e o auge impiedoso de Quantum of Solace deram lugar a necessidade de trabalho, hiperatividade e conflitos internos de Skyfall e Spectre.

É parte de sua vida continuar sobrevivendo, sem a oportunidade de parar ou pensar no que lhe fez/faz puxar o gatilho. Uma parte da era Dalton, que é exatamente retomada quando o britânico é confrontado, num momento de fraqueza, com a promessa feita ao pai de Swann – talvez um dos momentos mais vulneráveis do agente na franquia, que precisa pensar sobre uma ação que na cabeça dele “precisava ser feita” naquele momento.

Vesper Lynd, nesta perspectiva, continua a personagem mais importante da quadrilogia, quando observamos a motivação do agente em salvar Swann de um desastre parecido com o que vitimou a personagem de Lynd. Ele não está salvando Madeleine, mas a metáfora do amor de sua vida. Não a deixará novamente. O que, igualmente, denuncia o lado que tomará no clímax: aonde ir.

A sinalização de uma coesão narrativa é admirável, portanto, mas é algo que Mendes não investe tanto quanto deveria. Apenas afirmando superficialmente o papel de Blofeld nos filmes anteriores ou a participação de outros na trama, o diretor também procura montar um conjunto de homenagens a inúmeros filmes do 007 – antes da saída definitiva. Estão lá: Moscou Contra 007 (no personagem de Bautista), as saídas extravagantes de Brosnan (as lutas no helicóptero, a lancha, a saída pela janela no México), o conflito existencial de Dalton (na mesa com Swann), o amor influente na vida do personagem (o filme de Lazenby) e, claro, o humor brega de Moore (com menos intensidade). Mas sempre gratuito.

Mendes acredita no poder da franquia, claro. Mas acaba criando um exemplar genérico e esquecível, num ano com tantos outros filmes eficientes do gênero.