29 de fevereiro de 2016

Deadpool

Idem. Direção: Tim Miller. Roteiro: Rhett Reese, Paul Wernick, baseado nos personagens de Fabian Nicieza e Rob Liefeld. Elenco: Ryan Reynolds, Morena Bacarin, Karan Soni, Ed Skrein, Brianna Hildebrand, Stefan Kapicic, T.J.Miller, Jed Rees, Gina Carano. Duração: 108 minutos. 

Dentro do universo Marvel, além da forma como a sociedade enxergava os diferentes, o cinismo e o abandono sempre foram duas das particularidades mais complexas dos personagens que faziam parte dos filmes. Para esconder a sua fragilidade emocional e o medo das situações mortais que se envolvia, o Homem-Aranha exibia uma irreverência e cinismo que compactuavam com essa persona meio infantil exposta no seu cotidiano. O Coisa, de Quarteto Fantástico, por outro lado, devido sua aparência considerada grotesca, camuflava-se na sua força extraordinária e afastava-se da mulher que amava por medo de repulsa. Nos dois casos, o abandono e a solidão eram as características mais peculiares. Assim, Deadpool já seria uma obra instigante por capturar essas intenções dentro de sua abordagem. Claro, se não abdicasse de sua "sensibilidade" para ridicularizar exatamente o universo onde foi concebido e as escolhas óbvias que esse mundo fornece.

E é deste os créditos iniciais, quando Deadpool já ironiza a forma como a Marvel Studios tratou os filmes de origem dos heróis até agora, que o diretor Tim Miller acerta no deboche ao assumir a fórmula que embarca: um cara gostoso, uma mulher gostosa, um alívio cômico, uma adolescente problemática, um cameo gratuito e assim por diante.

O personagem de Ryan Reynolds, que brinca várias vezes com o fato de já ter interpretado o Lanterna Verde, encontra no sadismo uma forma de irreverência. Não apenas em suas piadas de cunho sexual diante da carnificina ("eu vou me tocar à noite" ou "Vou pedir uma coisa que nunca pedi antes: não engula!"), como também nas gags visuais com assassinatos e referências pops: algumas das minhas favoritas são a com Limp Bizkit, a soletração com corpos e  a piada com 127 horas.

Mas é no cinismo com que encara as próprias adaptações dos super-heróis que Deadpool sobe o nível. "Então, você provavelmente está pensando sobre qual saco tive que puxar para ter meu filme solo. Eu vou lhe dar uma dica: rima com polverine.", caçoa o personagem-título. Aliás, incluído na linha temporal dos X-men, o próprio conceito de reboot é abrangido por Deadpool que pergunta se o universo é o de McAvoy ou Stewart, bem como assimila que o estúdio não deveria ter dinheiro, já que só dois X-Mens numa escola aparecem para atender Deadpool.

Quebrando constantemente a quarta parede, portanto, o personagem nunca deixa de ridicularizar o próprio público das HQs que estão sempre esperando a cartilha dos estúdios Marvel, algo que já virou uma fórmula desgastada e inofensiva. Deste modo, Deadpool é realmente um sopro de criatividade por desdenhar dos clichês, indicando-os durante seu próprio filme de origem.

Ryan Reynolds é um grandioso acerto da produção, por consequência, já que, com um passado que poderia ser julgado, acaba rindo de si mesmo durante vários momentos, principalmente de sua aparência: "Você acha que Ryan Reynolds chegou aonde chegou por talento?", ele despreza. Da mesma forma que o próprio físico do ator (ressaltados em closes fechados no quarto que divide com Vanessa) serve para evidenciar a assustadora mudança que decorrerá do processo ao qual se submete.



Como Pânico foi para o slasher, Deadpool é uma bobagem gigantesca, mas que aproveita as convenções do gênero para criar uma profundidade genuína. No meu momento favorito do longa-metragem, Reynolds chora e observa a chuva cair, enquanto sua namorada dorme na cama. Quando indagado sobre o por quê estar ali, ele diz que teve um pesadelo: era Liam Neeson pensando que ele havia sequestrado sua filha. Está ali, o segredo de Deadpool: a vulgarização do pop. Com uma dose de drama e um timing cômico inesquecível. 

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