29 de agosto de 2016

Nerve: Um Jogo Sem Regras

Nerve, EUA, 2016. Direção: Henry Joost e Ariel Schulman. Roteiro: Jessica Sharzer, baseado na novela de Jeanne Ryan. Elenco: Emma Roberts, Dave Franco, Emily Meade, Miles Heizer, Kimiko Glenn, Machine Gun Kelly. Duração: 1h36min.

"Você apenas usa 10% da internet"

Enquanto o personagem do carismático Dave Franco é desafiado a se pendurar com apenas uma mão num guindaste fixo, no alto de um arranha-céu, dezenas de observadores do jogo Nerve aparecem ao fundo, em outro prédio, gravando em seus celulares o desafio. A transmissão em tempo real chega aos olhos de milhões de jovens que aguardam impacientemente o desfecho de um jogo que poderia ser chamado de Dare/Die.

Mas Nerve é um bom nome para um filme que estabelece a tensão à flor da pele, nos colocando no angustiante ponto de vista de sermos cúmplices de mortes que passam a ocorrer num jogo que, à princípio, nos divertia. Assim, a jornada de Henry Joost e Ariel Schulman pela narrativa corresponde fidedignamente a interação entre a simplicidade de algo banal e suas últimas consequências – algo que passou a ser comum em thrillers americanos. No jogo de perspectiva dos filmes do subgênero, muda-se apenas quem observa.

No ótimo The Urbe, por exemplo, em que uma pílula dava completo acesso aos desejos inconscientes dos personagens e a perda de autocontrole era sintomática, o espectador era (literalmente) Deus. É ele que queria analisar a sociedade que criara e o que ele poderia tirar dela.

Igualmente, outros mundos já foram frutos de pensamentos similares e ainda mais pertinentes: a inserção no mundo do slasher, onde um único psicopata lhe analisa todos os dias até ficar enjoado ou humilhado e decidir atacar, casos de Slumlord, GirlHouse e Creep; a documentação de assassinatos, tal qual Maníaco, The Scarehouse e Não Documentado; uma distopia macabra que está sempre lhe observando – Jogos Vorazes; jogos ambíguos, como Vidas em Jogo ou A Lista; o dinheiro como principal ferramenta de controle entre a vida e a morte: Creap Thrills; o puro horror cibernético, casos de The Den, Amizade Desfeita, Ratter, Friend Request; ou, claro, o inesperado terror proveniente de algo banal, como Would You Rather ou Scare Campaign.

Todos são exemplares que passam pela interação entre sociedade/vítima, onde o mais pobre é o que se rende aos caprichos do empresário entediado e sedento por sangue (ou no caso de The Urbe, um frustrado ser divino), além de fornecer a ótica da vulnerabilidade de nossas identidades dentro do universo cibernético: afinal, estamos realmente seguros ou com nossas privacidades intactas?

Os diretores Joost e Schulman já haviam passado por caminhos deste tipo em Catfish ou aproveitado esse apego adolescente pela tecnologia em Atividade Paranormal 4 e Viral, mas sem a mesma excelência, precisa-se dizer. É natural a forma como o jogo passa a se tornar mais macabro e intimidador. A sequência em que pessoas passam a se dar mal nos desafios, como quando um rapaz rouba a arma de um policial, fazem com que o espectador se dê conta de que o jogo ficou sintomaticamente perigoso, a medida que ele avança e que mais pessoas passam a cobrar desafios e ter controle sobre estudantes. Um espetáculo mais que bem-vindo para sociopatas.

Por já nos deixar interessados nessa nova natureza de Nerve, a decisão de Joost e Schulman em colocar um personagem (até então) coadjuvante para ser desafiado a deitar sobre os trilhos e esperar o trem passar se torna uma das cenas mais incríveis do cinema em 2016. Não só pela técnica, mas por nos deixar angustiados diante de uma morte que parece inevitável. Se o susto da plateia presente na primeira sessão dos irmãos Lumière era com um trem chegando na estação, o medo em 2016 se torna a nossa perspectiva frente a frente com a locomotiva.



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