23 de setembro de 2016

Bruxa de Blair

Blair Witch, EUA, 2016. Direção: Adam Wingard. Roteiro: Simon Barrett. Elenco: James Allen McCune, Callie Hernandez, Corbin Reid, Brandon Scott, Wes Robinson, Valorie Curry. Duração: 1h29min.

Na primeira cena do remake/reboot de Marcus Nispel para Sexta-Feira 13, nós observamos a mãe de Jason Vorhees na chuva, quase numa recriação da revelação do assassino do primeiro filme da franquia, na configuração de uma bela homenagem. É da mesma forma que Adam Wingard pretende iniciar sua tentativa de ressuscitar uma lenda que chegou ao nosso conhecimento em 1999, com o mesmo tipo de capricho: usar uma cena icônica para ambientar o espectador ao ambiente que adentrará. Ao não se definir como um reboot/sequel/homenagem ou o que seja, porém, Bruxa de Blair parece muito mais uma confusa refilmagem do original do que um filme à parte, utilizando-se da lenda para não precisar de nenhum esforço para criar uma história.

Ao começar introduzindo o irmão de Heather para desenvolver um laço entre esse filme e o original, por exemplo, Wingard tenta resgatar a memória dos inesquecíveis personagens do filme original, sem que precise ter empenho o suficiente na forma de criar laços entre os novos. Nesta ótica, perceba o quão pouco James surge entusiasmado em procurar sua irmã nas florestas, após tanto tempo, apenas para mais para frente afirmar com contundência que sempre achou que ela poderia estar viva, antes de entrar na cabana da bruxa. Por quê? Porque era aquilo que se esperaria dele, naquele momento. Que seu personagem realmente quisesse achar sua irmã e não fosse um jovem aventureiro qualquer que jogava videogame enquanto sua amiga falava sobre o quão importante seria achar sua irmã.

Não há qualquer tipo de desenvolvimento de seus personagens, embora pareça que o roteiro queira passar tempo o bastante com eles para construir algo que nunca chega a acontecer: personalidades. Colocando aqui e ali uma bandeira da confederação, uma passagem reveladora sobre o passado, como um dos jovens estar na expedição que tentou achar Heather e o grupo, por aí adiante, Wingard e Barrett acreditam ter nos conectado com as particularidades de seus personagens. Todavia, não conseguindo nos envolver nem com sua tensão ou com as motivações pessoais, os jump scares acabam sendo sua alternativa de rechear sua trama com cenas ilógicas para um terror found footage: o design de som sempre tumultuando a narrativa para evidenciar um osso quebrado ou uma nova aparição de um dos protagonistas que assusta quem está atrás da câmera.

Assim, as pontas soltas deixam nosso comprometimento com a narrativa bem rasteiro, já que não nos preocupamos com a infecção de Ashley, tampouco com a tecnologia introduzida: os drones, câmeras na árvore, etc. O mesmo para a insistência do diretor em trazer o passado de volta às lentes, caindo na armadilha de tentar explicar cada coisa que foi sugestionada da lenda em 99. Assim, enquanto o original se beneficiava por não dar nenhuma pista ao espectador do que realmente acontecia na floresta, deixando que a imaginação agisse, o novo filme é sabotado por tentar demonstrar demais.

Wingard ao menos compreende que certas convenções ainda dão certo na hora da tensão, assim, as cenas de Lisa nos tubos de esgoto da casa ou os constantes movimentos circulares constroem um equilíbrio maior na narrativa. Igualmente, a claridade que as florestas perdem gradativamente durante a visão panorâmica do drone é bem interessante e intrigante, o oposto ao escurecer completo da floresta depois que um personagem simplesmente chega para dizer que o sol não nasce mais por ali.

O diretor também consegue manter o bom humor em determinado momento significativo da trama, quando um dos protagonistas se perde e o grupo acha uma péssima ideia ir tentar achar numa floresta escura. Mas é pontual. Já que os personagens fazem exatamente isso, pouco tempo depois, quando é a vida de seus amigos reais que estão em jogo.

É, portanto, triste que a grande cena do filme esteja inserida quase que de forma deslocada na proposta de Barrett e Wingard para a bruxa de Blair. Na cena, diante de Lisa e o irmão de Heather, observamos um tentando controlar a crise de pânico do outro, como se naquele instante só existisse os dois – e ali está a respiração na câmera, o fôlego novo, sem que um jump scare atrapalhe o vínculo criado. Algo raro no decorrer do longa e que só aponta para a grande oportunidade perdida que o cineasta tinha em mãos. 


16 de setembro de 2016

Lua em Sagitário

Idem, Brasil, 2016. Direção: Márcia Paraíso. Roteiro: Will Martins e Márcia Paraíso. Elenco: Manuela Campagna, Fagundes Emanuel, Jean Pierre Noher, Andrea Buzato, Elka Maravilha, Serguei. Duração: 1h45min.

"Para aqueles que querem abraçar o mundo com as pernas" expõe a primeira frase do filme de Márcia Paraíso, Lua em Sagitário. Ao som das teclas de um computador, ela pretende embarcar no mundo adolescente de Ana e Murilo na pequena cidade Princesa, onde todos se conhecem e o forasteiro interpretado por Fagundes Emanuel é a novidade que estimula a vida pacata da garota que precisa viver. A chave do filme de Paraíso é o tom da aventura infanto-juvenil, que, assim como assume sua citação sobre o mundo, acha em sua rebeldia uma natureza muito mais divertida e contemplativa do que apenas em lidar com a realidade cotidiana.
Na mente de Ana, interpretada por Manuela Campagna, a realidade não está na natureza tradicional de Princesa. Ela está no mundo que desconhece, além de Dionísio Cerqueira. Quando A Caverna (o único lugar interessante da cidade) passa a não ser o bastante, o assentamento que Murilo vive traz à novidade ao mundo de Ana. Um movimento que a garota apenas ouvira falar (negativamente) de seu pai e que passa a experimentar com suas próprias mãos. Contudo, ainda que a esfera política importe para a direção de Paraíso e o roteiro coescrito com Will Martins, ele serve como coadjuvante para a jovem.
Lua em Sagitário carrega particularidades que se assemelham a um dos grandes filmes desse ano, Sing Street. Quando o personagem do filme irlandês era apresentado no seu quarto, a influência pelo contexto vinha através do irmão, que servia como seu mentor, e da própria música – que era a única companheira de Cosmo, até ele encontrar sua musa. No filme catarinense, a música também tem seu papel no desenvolvimento da personagem de Manuela, com ela constantemente com seus fones de ouvido quando está em casa ou com seu violão no quarto. O mentor de Ana, porém, não é um irmão, mas outra figura praticamente familiar: LP (Jean Pierre Noher). É por LP, um simbolismo claro, que o mundo da música é apresentado aos jovens que clamam por conhecimento e experiências.
É curioso que assim como o irmão de Cosmo, em Sing Street, LP também nunca tenha saído de sua realidade e que apenas detenha conhecimento teórico, nunca prático. Ambos, afinal, encontram nos garotos realidades alternativas: o que eles poderiam ter sido, se fossem mais corajosos. Desta forma, há uma cena no filme que praticamente reparte a narrativa: o encontro dos garotos com o estranho casal de Elke Maravilha e Sergei. Ali, naquela casa, está a essência do desconhecido, da provação, da rebeldia, do novo. Observe, por exemplo, como os garotos são trazidos até a casa no meio da floresta, à princípio – quase como o começo de uma história infantil, onde os bruxos esperam as crianças famintas por doces. Só que na casa, a tentação não provém dos doces, mas das drogas. É a partir daquele momento que ambos se sentem completos na sua busca pelo novo. E por isso Florianópolis e suas praias viram apenas uma complementação para a viagem. Não o mais importante.
Todavia, o filme de Márcia Paraíso não se livra do supérfluo, assim ficando precário o desenvolvimento da história nos assentamentos e os pensamentos sociais sobre o MST – a cena na casa de jovens de elite é problemática, neste aspecto, bem como as inserções de um beija-flor ou quedas d'água. O mesmo ocorre no clímax, onde um beijo entre os jovens freia um momento muito mais significativo – os caminhos se cruzando numa estrada de chão batido com múltiplas possibilidades.
Em sua linguagem infanto-juvenil, porém, Lua em Sagitário pode encontrar grandes admiradores ao passar com paixão pelas estradas de Santa Catarina. Um encantamento que não soa tão rebelde quanto parece querer ser, mas que tampouco é infrutífero. 

8 de setembro de 2016

O Homem nas Trevas

Don't Breathe, EUA, 2016. Direção: Fede Alvarez. Roteiro: Fede Alvarez e Rodo Sayagues. Elenco: Stephen Lang, Jane Levy, Dylan Minnette, Daniel Zovatto, Emma Bercovici. Duração: 1h28min.


           –  Você ficaria surpresa com que um homem é capaz de fazer, quando ele percebe que não há mais nada, que não há um deus.

Caso o novo filme do promissor Fede Alvarez não fosse praticamente igual ao Crush The Skull, de Viet Nguyen, lançado no ano passado, o mundo sem vida que envolve os jovens liderados por Rocky teria tido muito mais impacto, eu suponho. Afinal, sabendo lidar com a tensão de sua trama como se ela fosse uma novidade, o uruguaio consegue expor seus simbolismos de forma eficiente e sem que recorra a diálogos expositivos.

Tanto Crush The Skull quanto O Homem nas Trevas seguem uma premissa slasher incomum, em seus universos: as vítimas da história são assaltantes reincidentes que se tornam mais próximos de uma empatia com o público por estarem dentro de um "negócio" familiar. Era assim que Blair e Ollie nos cativavam, por exemplo, quando somavam o romance com o terror e a comédia – já que, como no filme de Fede Alvarez, ambos tentam assaltar uma casa que não sabem ser habitada por um psicopata.

A maior diferença entre o filme de Nguyen e o de Alvarez, portanto, reside na falta de comédia deste. O Homem nas Trevas é um filme que se preocupa muito mais em tornar o caminho dos personagens complexo e envolvente do que imprevisível. Assim, o primeiro acerto do diretor é fazer com que o homem interpretado por Stephen Lang seja tão misterioso quanto tridimensional. Ao mesmo tempo em que seu personagem é impassível e não demonstra resquício de qualquer humanidade, como na cena em que pretende injetar um tubo do seu esperma em Rocky, a dor que sente ao perder o futuro filho de uma das suas vítimas denuncia que ainda havia um pai enlutado que tomou um caminho extremo para descontar sua frustração.

Desta forma, quando o homem atira no retrato de sua filha na estante, numa explosão incontrolável, tentando achar quem invadiu sua casa, ele simbolicamente também está deixando de lado a memória de sua filha para entrar num caminho sem volta. 

Como em Halloween, o passado se torna um subterfúgio para compreendermos a psicopatia, sem que esqueçamos de sua monstruosidade. Duas cenas interessantíssimas de Alvarez destacam essa perspectiva: a primeira, ele desaparecendo e aparecendo na escuridão de seu porão, uma cena extremamente tensa por princípio; a segunda, seus olhos vermelhos, após ser baleado, em uma homenagem clara ao próprio Halloween.

Neste mundo sem cor e sem vida, o diretor também encaixa algumas interpretações eficientes sobre a natureza daquele ambiente que os personagens penetram: Rocky pisando sobre cacos de vidros ou apenas o som da respiração de um dos invasores são bons exemplos. O mesmo quando olhamos para as sombras que cercam a casa do homem cego num dia ensolarado – como se aquele lugar não visse um dia de sol há muito tempo.

Essa luz só irá voltar com intensidade, aliás, é no aeroporto, onde Rocky e sua irmã esperam ansiosamente para deixar o passado para trás. Pela primeira vez, uma perspectiva no horizonte se mostra mais segura do que as trevas que as envolviam até então. 


5 de setembro de 2016

Aquarius

Idem, Brasil/França, 2016. Direção: Kleber Mendonça Filho. Roteiro: Kleber Mendonça Filho. Elenco: Sônia Braga, Humberto Carrão, Paula de Renor, Maeve Jinkings, Irandhir Santos, Barbara Colen. Duração: 2h22min.

Existe um elo que interliga O Som ao Redor e Aquarius e que reside em duas peças primordiais do tabuleiro de Kleber Mendonça Filho: a primeira, a memória conservada; a segunda, a reclusão e o Brasil social como coadjuvante. No filme de 2012, a reclusão era através da falsa segurança da classe média e as rachaduras no desequilíbrio capital, enquanto, no filme de 2016, Kleber transforma a jornada de uma única pessoa em uma introspectiva resistência ao abandono e a luta por direitos básicos.

Deste modo, enquadrando a personagem de uma inesquecível Sonia Braga à frente do edifício Aquarius, imponente, como se ela fosse a única salvação daquela construção, e rasgando o projeto de uma construtora, Kleber não ressalta apenas uma arquitetura, mas uma fachada para a sociedade brasileira que tenta resistir às grandes companhias.

Seguindo Clara como nossa referência, o plano em que o diretor denuncia os empreendedores chegando, enquanto a protagonista curte seu descanso numa rede, é bem ilustrativo. A pernambucana é uma remanescente, em Aquarius. Ela é o que ficou da história daquele humilde apartamento de Boa Viagem, ao lado das mobílias velhas, da cabeceira em que tia Lúcia recebia sexo oral e dos envelhecidos discos de vinil – os grandes companheiros da personagem por sua jornada.  

Esse espelho entre o novo e o antigo é um dos tons mais importantes do filme. Iniciando pela festa de 70 anos da tia Lúcia, o design de produção é brilhante ao expor o apego pelos mínimos detalhes: desde as garrafas de Brahma na mesa de jantar, as cadeiras, as músicas, as placas dos automóveis, a pouca movimentação na rua até as armações dos óculos dos convidados. O início em fotos P&B contrasta perfeitamente com o urbanismo, igualmente. Não só quando Kleber escancara o quão pouco aquele prédio mudou, destacando as garagens precárias que resistiram bravamente ao tempo, como também é sábio ao expor a movimentação de poucos carros na praia para o alto trânsito numa ponte movimentada, numa clássica mudança de cenário de épocas.

Essa faceta entre o clássico e o atual também é sublinhado em outras três cenas extraordinárias: Clara comprimida na porta de uma loja de eletrônicos até a chegada de um velho amigo, a cena em que ela coloca um rock de sua juventude no vinil e no volume máximo para contrapor o eletrônico ensurdecedor de uma festa do apartamento de cima, além de, claro, a cena em que uma jornalista pergunta sobre o mp3. Neste momento, aliás, Kleber aproveita a crítica não só ao jornalismo, mas a preocupação das pessoas em pouco ouvir e muito falar – algo que, diga-se de passagem, ele pontua durante a narrativa com quem divide a tela com Clara.    

Na sociedade de Aquarius, a distância e a proximidade são cúmplices. E é nessa elucidação que o filme caminha para sua cena mais linda: quando um dos filhos de Clara, sem dizer uma palavra, mostra uma dedicatória num livro para Ana Paula. A base do poder de uma imagem, sem diálogos que tornariam o momento piegas, está presente ali como poucas vezes o cinema brasileiro se permitiu.

Afinal, há algo caloroso no pessimismo de Kleber Mendonça Filho. Um 'q' de resistência que afeta entusiastas e detratores. Em uma de suas principais características, Aquarius lida com a liberdade sexual e os princípios de empoderamento feminino de forma inteligentíssima. Se no aniversário de Lúcia, a personagem relembra de quando ela transava com um rapaz numa cômoda do apartamento, o sexo oral na mulher se mostra recorrente, ratificando que, aqui, é o prazer feminino que está em questão. O objeto sexual é o corpo masculino. É o pênis que a câmera evidencia nas cenas de sexo, ereto ou não, nas orgias ou nos atos casuais.

Naturalizando a nudez, Kleber é honesto em tratar o sexo como uma necessidade física, desvirtuado do amor. É marcante, por exemplo, quando Clara pede para que o garoto de programa não toque na mama debilitada pelo câncer – seu único lado vulnerável.

É intrigante, igualmente, quando traços de horror são ressaltados na cena do sonho de Clara: uma mulher não acostumada com fraqueza, sentindo-se impotente, sem braços e sangrando em sua cama.
  
Acostumada sempre a levantar a cabeça diante de adversidades, o único momento que  ela acaba revelando sua frustração em sua totalidade é no clímax de Aquarius. Com seu diretor deixando claro as maiores raízes do filme a partir do terceiro ato – a divisão entre classes, com um monólogo envolvente de Clara sobre formação humana e a elite brasileira –, Aquarius se aventura introspectivamente nos perigos de confrontar o poder.

Porque os donos dos empreendimentos Bonfim são cupins sociais que corroem o que temos de nossas histórias e nossas lembranças, na visão de Kleber. E a única saída que nos resta é jogar isso na mesa – deixando claro que, não, não temos medo de ir à luta. 


1 de setembro de 2016

Café Society

Idem, EUA, 2016. Direção: Woody Allen. Roteiro: Woody Allen. Elenco: Jesse Eisenberg, Kristen Stewart, Steve Carell, Corey Stoll, Jeannie Berlin, Ken Stott, Blake Lively. Duração: 1h36min.


                                – Primeiro, um assassino; agora, um cristão. Meu deus, o que fiz pra merecer isso?

Dono de uma fineza contagiante, Café Society é exatamente o que faz Woody Allen prevalecer com a adoração jovem que ainda possui: um homem de mais de 80 anos que consegue ser paradoxalmente um pessimista esperançoso. No seu novo ensaio sobre a alta sociedade norte-americana, Allen é cínico com a hipocrisia de seus personagens, porém, nunca se rendendo aos caprichos românticos e clichês que essas charlatanices podem despertar.

Irmã de Tiros na Broadway, a narrativa de Allen não se restringe a um único foco ou uma história de amor entre Booby e Vonnie; voltando-se, primordialmente, ao desenvolvimento da alta classe, com seus filósofos pedantes, seus adultérios, seus sonhos, seus crimes, seus esbanjamentos. Café Society nasce como uma crônica nova yorkina do estilo de vida levado nos anos 30 – uma época que, embora já demonstrasse a alta onda de crimes e corrupção na cidade, despertava sonhos e possibilidades.

Assim, não só a fotografia aproveita essa magia pitoresca, ao salientar o verde de Nova York e uma cidade que ainda estava longe de ser tomada pelos grandes arranha-céus (oferecendo um simbolismo belo para coisas inacabadas), como também o design de produção de Santo Loquasto se sai particularmente bem em ressaltas as telhas antigas das mansões de Beverly Hills.

A direção de Woody Allen, por sua vez, mostra mais uma vez o talento do nova yorkino em lidar com perspectivas e inserir situações cômicas como poucos. Não apenas nos momentos que envolvem Ben Dorman (Corey Stoll, excelente), mas na forma como a intimidade dos personagens é sugerida em contextos diferentes. É comum, observe, que Allen estabeleça uma pessoa ou um objeto no centro da câmera, enquanto evidencia sua passagem por aquele momento – no tribunal, Ben é comprimido por duas bandeiras americanas ao ser condenado à morte; enquanto, na esfera romântica, nossas atenções recaem sobre Vonnie.

(No restaurante, por exemplo, ela aparece ao fundo, desfocada, com o piano em primeiro plano. Nós acompanhamos o seu caminhar até ela chagar a mesa de seu namorado, que só então sabemos que é Phil. A partir de então, avaliados pelo espectador, ambos são colocados frente a frente em planos centrais, como se respondessem nossas perguntas. Posteriormente, quando Phil decide terminar o seu caso, é só Vonnie que aparece em primeiro plano na mesa, os dois separados por uma vela. Onde está Bobby, neste momento? Em casa, com duas velas, esperando para compartilhar o momento do primeiro jantar com Vonnie.)

"A vida é um filme de comédia, mas escrita por um sádico", diz a personagem hilária de Jeannie Berlin, no segundo ato. E é assim que Allen leva seu romance até o fim. Não deixando de conceber ideias sobre a morte envolvendo a vida, como virou seu costume, o cineasta estabelece ao final o que todos nós passamos quando nos lembramos de nossa primeira paixão e nos perguntamos o que poderia ter sido: dezenas de quilômetros um do outro, mas na mente a única indagação: será que ela pensa em mim?