1 de novembro de 2016

Mostra de São Paulo 2016– Dias 11 e 12 – 30 e 31 de outubro

 
 
O festival está chegando ao fim. Abaixo, outros nove filmes que assisti nos últimos dois dias.

44. Diário de um Maquinista (Direção: Milos Radovic. Sérvia/Croácia, 2016)

O novo filme de Milos Radovic é basicamente a repetição de sua piada principal durante toda a narrativa, e entende-se, já que seu argumento se sustenta. A história é simples: um maquinista depressivo encontra um garoto de dez anos certo dia nos trilhos que tentava se matar. Ele leva o garoto pra casa e começa a criá-lo. O menino passa a desejar a virar um maquinista, igual ao tio, que não gosta da ideia. A espirituosidade da trama de Radovic? Todo maquinista é um atropelador em potencial, pois passa a vida tendo que lidar com os constantes suicídios nos trilhos dos trens. “O meu pai, eu e meu filho, somados, já matamos 57 pessoas”, garante o maquinista.

Em seu nonsense, a criação do rapaz se torna um dos grandes pontos do filme do diretor: ao não apenas proporcionar uma aproximação honesta entre maquinista e o garoto, como também brincar com os desejos mórbidos que o rapaz passa a ter para se tornar um verdadeiro condutor: ele precisa passar por cima de algum suicida. É, portanto, hilário acompanhar o pai/tio tentando convencer um suicida para escolher o trilho do trem para tirar sua vida.

Radovic repete esse aspecto o filme todo, com cenas engraçadíssimas, como quando o maquinista consola um médico ou quando ele passa num funeral para levar flores para a família de suas vítimas. Diário de um Maquinista é uma comédia tragicômica surreal e que sabe se aproveitar disso, no final.

(4 estrelas em 5)

45. Divinas Divas (Direção: Leandra Leal. Brasil, 2016)

Divinas Divas é um filme sobre transformações e identidade. Mas com algo particular: Leal pouco se interessa pelo que leva aquelas pessoas a se vestirem de mulheres. Elas são mulheres. Divas. Moças que encontraram no palco sua razão de viver. Que nasceram para serem artistas.

Conseguindo captar cada uma da personalidade de suas biografadas, Leandra Leal não só evidencia o brilho melancólico daquelas mulheres, sempre entre o palco e os bastidores, como também se torna cúmplice de suas divas. Resgatando a memória de seu avô, que no ano de 1966 foi o primeiro a abrir seu teatro para apresentações de transformistas, a diretora nos torna tão íntimos quanto ela de cada uma daquelas pessoas – gerando cenas inigualáveis, como quando ouvimos a música Abandono, após ouvirmos sobre um falecimento. Igual, a entrega de My Way ou a personificação de Marquesa em I Put a Spell On You são momentos inesquecíveis.

Leandra não esquece de ninguém. E de nenhuma das particulares que levam aquelas mulheres a serem tão especiais; além de, claro, fascinantes.

(5 estrelas em 5)

46. Tharlo (Direção: Pema Tseden. China, 2015)

Um homem de 40 anos chamado Tharlo, com o apelido Rabo-de-Cavalo, precisa ter uma identidade. Ele precisa tirar uma foto para o seu primeiro RG. Tharlo não conhece muita coisa fora de suas montanhas, onde cria suas ovelhas. Ao chegar na fotógrafa com seu cabelo bagunçado, ela lhe manda para o salão do outro lado da rua para lavar seu cabelo. Lá, Tharlo conhece uma cabeleireira que muda sua rotina.

Aliás, Tharlo é um filme sobre rotinas. Sobre a monotonia da vida. Sobre como tudo passa tão devagar e tão depressa, ao mesmo tempo. Pema Tseden, deste modo, destaca nos seus planos centrais uma atmosfera quase depressiva. Suas cenas episódicas duram minutos, como quando acompanhamos passo a passo de uma sessão de fotos com um casal. O diretor se preocupa com o registro – sua principal busca na narrativa. Com as memórias.

Entretanto, é uma pena que essa passividade com o mundo presente na narrativa, joga contra e a favor de seu filme.

(3 estrelas em 5)

47. O Exorcista (Direção: William Friedkin. EUA, 1973)

A obra-prima definitiva do terror.

(5 estrelas em 5)

48. Cinema Novo (Direção: Eryk Rocha. Brasil, 2016)

Como se acompanhássemos passa a passo do auge e do declínio de um movimento cinematográfico, o documentário de Eryk Rocha é uma obra complexa: ainda que esteja estagnada no tempo, com seus registros, entrevistas e cenas de filmes na década de ouro do cinema novo, a sua mensagem sobre o Brasil marginal, o estímulo da cultura e a infraestrutura de nosso cinema é atemporal. Cinema Novo é um filme que encara seu presente com unhas e dentes. Na estrutura do cineasta, é como se o tempo não tivesse passado.

Essa sensação é impressionante quando as falas de grandes realizadores, como Glauber Rocha, são complementadas pelas imagens de seus filmes. Se a pauta é a marginalização e a tentativa de um intimismo épico, as sequencias mostradas tem a ver com cinema e revolução, com atos heroicos ou divagações. Demonstrando as consequências do cinema novo no cenário internacional, igualmente, Eryk ressuscita a discussão sobre nosso cinema e como as pessoas o enxergam até hoje.

Enquanto censuras e a falta de opções culturas continuam sendo debatidas, Cinema Novo é (foi e sempre será) um manifesto de resistência. Esse é o recado do documentário de Eryk Rocha.

(4 estrelas em 5)

49. Morte em Saravejo (Direção: Danis Tanovic. Bósnia-Herzegovina/França, 2016)

Até um pouco óbvio em suas metáforas, Morte em Saravejo é um filme que tem como seu principal foco a crise política e econômica na Europa. Seus personagens ainda vivem no passado, revisitando momentos históricos (inclusive com uma série de entrevistas sobre o assassinato de Francisco Ferdinando, o que ocasionou o estopim pra primeira grande guerra) e sendo nostálgicos com seus melhores períodos: o dono do hotel passeando pela área de jantar e descrevendo as personalidades que já usaram seus talheres é um exemplo claro.

Aliás, é um hotel em Saravejo o palco do filme de Danis Tanovic. Com planos-sequências convidativos, o diretor demonstra suas divisões com eficiência, embora seja sempre didático nesse caminho: e se diálogos como “eu estive em silêncio nos últimos 30 anos” soam esperados num filme político desses, é muito mais sutil e interessante quando o diretor brinca com o glamour decadente (“veja as nossas belezas da Europa do Leste”).
 
Em sua retórica, Danic ainda força uma impassibilidade nos avanços da chefia e nos trabalhadores que fingem que não estão escutando nada. É uma mensagem relevante, mas conhecida e que já foi apresentada de maneira muito melhor.

(3 estrelas em 5)

50. Um Casamento (Direção: Mônica Simões. Brasil, 2016)

Imagine você sendo parado na rua por um casal que você nunca tinha visto em sua vida. Eles puxam a carteira e começam a mostrar fotos de seu casamento e de seus filhos. Depois, eles pensam que seria uma ótima ideia lhe levar em sua casa para ver uma colagem de 80 minutos com a história de um dos seus dias mais felizes. É isso que torna tão insuportável e pessoal demais o filme de Mônica Simões, que aposta apenas num registro caseiro de uma história que só é relevante para a família da documentarista.

Desta forma, é um exercício de paciência ficar ouvindo a diretora falar sobre quando seus pais alugaram uma casa na praia ou sobre como sua mãe se separou do seu pai ou como ela era carregada por seu pai quando eles saíam. Pior, aliás, quando Simões acha uma excelente ideia apresentar sua metodologia para a mãe – e é hilário quando ela sempre termina seus “capítulos” com a pergunta: “você tem algo a acrescentar?”.

Terminando com sua mãe descrevendo o quão forte aquela experiência havia sido para ela, ao menos sentimos que para alguém valeu a pena. Pena que foi apenas para seus realizadores.

(1 estrela em 5)

51. O Ídolo (Direção: Hany Abu-Assad. Palestina/Reino Unido/Catar/Holanda/Emirados Árabes Unidos, 2015)

Essencialmente doce em sua estrutura, o representante da Palestina no Oscar, O Ídolo, é um longa-metragem assumidamente ingênuo e infantil. Desde seu apego por closes e a demonstração de carinho das pessoas que dividem cena com Mohamed – sua irmã, seus amigos e até o primeiro assaltante a interferir em sua vida. A sensibilidade de Abu-Assad ressoa na união dos quatro amigos, no primeiro ato, indicando uma serenidade ímpar na sua comédia dramática (“é melhor limpar os rins que a casa”).

É quando o diretor arrisca entrar num campo socioeconômico que sua narrativa se torna um pouco tola. Mais do que a obviedade de seu clímax, que parece ter sido adiantado na sala de montagem, as inserções de uma união do mundo árabe frente ao programa nunca soa genuína, tampouco a liderança de Mohamed como uma imagem de resistência.

O Ídolo acaba sendo um filme de atos distintos. Sendo que seu terceiro não faz jus a bonita trama juvenil que havia criado.

(3 estrelas em 5)

52. Noite de Celebração (Direção: Marcin Bortkiewciz. Polônia, 2016)
 
Quase como uma peça teatral filmada em tempo real, Noite de Celebração aposta no tragicômico para evocar a personalidade de seus personagens – principalmente a da cantora, cujo passado denuncia uma mulher que clama por um intermediário para dar seu grito desesperado. Esse intermediário surge na pele de um jornalista, que tenta a grande de sua carreira.

Marcin Bortkiewciz estabelece esse duelo e cumplicidade de dois em cena, encenando seus conflitos com habilidade, sempre deixando claro que tudo importa na cena: observe que seus protagonistas nunca estão desfocados, por exemplo. Igual, o diretor não tem problema em se render ao patético, conseguindo, assim, criar um laço terno entre humor e drama.

Ambos terminam nus, na narrativa de Bortkiewciz, como não poderia deixar de ser. Após aquela noite, eles não são mais os mesmos. Foram desnudados um para o outro. Como A Pele de Vênus, Noite de Celebração cultiva na intimidade seu maior apelo.

(3 estrelas em 5)

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