20 de fevereiro de 2017

A Cura

A Cure for Wellness, Alemanha/EUA, 2016. Direção: Gore Verbinski. Roteiro: Justin Haythe, baseado na história de Haythe e Gore Verbinski. Elenco: Dane DeHaan, Jason Isaacs, Mia Goth, Ivo Nandi, Adrian Schiller, Celia Imrie, Harry Groener, Magnus Krepper, David Bishins. Duração: 2h26min.  

Na década de 50/60, os filmes que se destacavam no cinema de terror eram aqueles que, ao fugir da caricatura proposital da época, principalmente nos EUA, apostavam nos traumas psicológicos para render sequências assustadoras diante da impotência na crueldade vista em tela. São filmes como As Diabólicas, Os Inocentes ou O Que Terá Acontecido a Baby Jane, que incitaram outros diretores americanos a tratar o thriller psicológico como uma ferramenta poderosa do terror, onde muitas vezes o que observávamos era uma metáfora para nossos próprios problemas mundanos de isolamento, depressão e falta de autocontrole. Assim, quando Lockhart visualiza um veado preso entre escombros durante sua visita a "civilização", com uma perna presa, sem poder se locomover e tomando água infectada,  ele não está vendo apenas um animal, mas sua própria fragilidade como criatura – sua ineficácia ante aos desejos de outros.

Quem representa essa opressão frente ao personagem de Dehaan não é o capitalismo selvagem que é citado logo no primeiro ato, mas o maior vendedor de todos – Volmer, que de alguma forma fascina Lockhart por lhe vender algo muito maior do que jamais pensou: um sonho. Ao menos em princípio, é o que segura Lockhart: a sua infantilidade perante ao novo, ao desconhecido, ao que lhe desperta curiosidade. Desta forma, o instituto apenas lhe deixa os pensamentos quando encontra Hannah. Mas é sempre um tênue Volmer que arma um conflito entre sua mente e seu corpo. Nunca Hannah, que fica à parte da disputa. Jason Isaacs personifica o diretor da instituição com uma riqueza de nuances admirável, onde se dá para perceber diversas homenagens as múltiplas facetas de Vincent Price nos anos 60, com seus doutores dispostos a todos os tipos de sacrifícios e o exagero teatral característico dessas personas. Volmer é Roderick Usher, é Nicholas Medina, é Erasmus Craven, é Robert Morgan, é Prince Prospero. Um extremista que chegou até onde muitos não chegaram: a descoberta da imortalidade. A cura da morte.

Essa pretensão do roteiro de Justin Haythe e Gore Verbinski encontra um respaldo gigante na maneira como o diretor nos insere na trama. Sempre aproveitando os sons ambientes para causar agonia e temor, Verbinski já nos mostra o choque da morte num simples infarto, que não serve apenas para indicar o falecimento do personagem que teria sua jornada até o Centro de Volmer, mas para denunciar exatamente o que o filme trataria: a nossa eterna briga com o corpo, que passa a ser nosso principal inimigo. Volmer encontra uma maneira de se desvirtuar de seu próprio corpo. Criar camadas para que possa parecer quem ele queira. Moldar o mundo a sua forma. Desta forma, o cineasta sugere a vida eterna sem jamais entrar nesse mérito. Não explicitamente, ao menos. E esse é seu charme.

Pontuando sua narrativa com inclusões de situações que podem apontar para uma confusão mental do protagonista, como suas constantes visões ou sua paranoia típica de paciente, Verbinski brinca com outros exemplares do gênero para dar ainda mais substância para uma trama que seria simplista nas mãos de outros cineastas (o cantarolar que homenageia Os Inocentes é tão sedutor quanto as cenas fortíssimas de extrações dentárias). Desta forma, numa narrativa de repetições (e como não se encantar pela repetição suprema, o incêndio?), Volmer se torna vítima das próprias circunstâncias que fizeram suas pesquisas renascerem. Uma ironia fina de um destino esperado. 


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