4 de agosto de 2017

Em Ritmo de Fuga

Baby Driver, Inglaterra/EUA, 2017. Direção: Edgar Wright. Roteiro: Edgar Wright. Elenco: Ansel Elgort, Jon Hamm, Jamie Foxx, Lily James, Eiza González, Jon Bernthal e Kevin Spacey. Duração: 1h52min.

A maneira como reproduzimos contextos no cinema é fascinante. Quando precisávamos criar empatia com personagens violentos, por exemplo, tratávamos de humanizá-los o mínimo que fosse para que não precisássemos acompanhar um canalha completo em sua missão nos submundos do crime. Scarface é um exemplo claro e, inclusive, citado em cursos de cinema, pois atribui algum tipo de caráter ao protagonista na primeira cena do filme, quando ele se sente acuado e fala sobre a irmã. O que você vê depois, torna-se uma ilusão narrativa, porque você passa a achar que só você, o espectador, sabe quem é o verdadeiro Tony Montana. Aquele sujeito que gosta da irmã. Ele não é completamente desumano. Há um coração. Esse é o princípio da empatia no cinema. Quando pegávamos os assaltantes sendo caracterizados como mocinhos, a exemplo de Onze Homens e um Segredo, ainda assim tínhamos uma questão imprescindível para que torcêssemos para os anti-heróis: eles roubavam cassinos, que supostamente eram gerenciados por aproveitadores e criminosos, portanto eles só estavam roubando de quem rouba.

Essa é uma das falas do personagem de Jamie Foxx, em Baby Driver (Em Ritmo de Fuga), que atiça a curiosidade para o contexto do filme de Edgar Wright. "Nós viemos pegar o que é nosso. Ele nos roubaram. E agora queremos isso de volta", Bats expõe. O pensamento de que estamos a bordo de um veículo que transgride leis, foge de autoridades, mas assalta o próprio governo, passa a nos sugerir um novo contexto para nossa empatia, onde o transgressor passa a ter nosso carinho pois também gostaríamos de estar provocando o governo em atos rebeldes e pegando um dinheiro que é desviado para outros fins que não a nossa assistência social. Assim, Wright não só brinca com esse caráter paradoxal, como também se diverte ao introduzir esses personagens no mundo de Baby Driver – Buddy, Darling, Baby, Bats, Doc e Griff.

Mostrando que também é um diretor talentosíssimo, o inglês desenvolve o plano sequência inicial com uma habilidade invejável, ao nos apresentar o nome do personagem pela primeira vez – e perceba, desta forma, como o diretor vai e volta do prédio onde Baby está, como se estivéssemos na perspectiva de um volante. Mais belo, é como Baby é apresentado para nós, pouco a pouco, sem que as nuances sejam explicadas didaticamente. Ao nos apresentar a origem de sua história com carros, por exemplo, avaliamos que o seu perfeccionismo por música e pela técnica provém da morte da mãe ao volante de um carro, enquanto ele escutava música para não ouvir as brigas dos pais. Desde então, Baby fugia. Não ligando para a morte, já que a adrenalina vinha de estar sempre perto dela e, consequentemente, perto da mãe, o protagonista se esconde atrás de dance moves e piruetas para nunca se sentir parado. E os únicos momentos que Baby confraterniza a música com alguém é para dois dos personagens mais importantes do longa: a primeira vez, Buddy (Jon Hamm, fabuloso) pega um dos fones da orelha dele para participar do momento que ele vive; no outro, Baby dá para Debora um de seus fones para ela confraternizar com ele aquele instante.


Assim, quando se torna um coadjuvante da história, um carona, Baby para de fugir. Ele entrega o volante para Debora e se rende.Uma forma de deixar claro que Wright não é um diretor que pretende apenas ser descolado. Ele é alguém que sabe exatamente o que faz. 

1 de agosto de 2017

Dunkirk

Idem, Inglaterra/Holanda/França/EUA, 2017. Direção: Christopher Nolan. Roteiro: Christopher Nolan. Elenco: Aneurin Barnard, James D'Arcy, Harry Styles, Fionn Whitehead, Barry Keoghan, Mark Rylance, Jack Lowden, Cillian Murphy, Tom Hardy e Kenneth Branagh. Duração: 1h46min.

"Christopher Nolan é um cineasta que procura a catarse". A expressão não é minha, é do colega Márcio Sallem. Este pensamento é um espelho de uma filmografia mais racional do que emocional de Nolan, onde, na ânsia de sempre provocar grandes momentos cinematográficos, o diretor "agride" o espectador visualmente nos inserindo, geralmente, nas suas tramas. Transportando-nos para seus mundos, uma perseguição de Leonard, em Amnésia, para a curiosidade insana de O Grande Truque são completamente destoantes, portanto, pois são mundos divergentes. A Origem, mais ainda.

É quando Nolan pretende criar algo mais emocional em seus filmes que ele encontra problemas. Interestelar é o maior exemplo, ao experimentarmos um completo afastamento de calor humano por tratar o longa-metragem quase como um documento científico e, vez ou outra, criando clichês melodramáticos (que não funcionam) na espera de criar um lembrete para o espectador de que ele está assistindo a algo envolvente e sentimental. Esse é um pouco do erro de Dunkirk, quando o inglês insiste em diálogos pavorosos quanto o isolamento daquelas pessoas nas areias de Dunkirk:

– Dá para vê-la daqui!
– O quê?
– A nossa casa!

Quando a carga emocional de Batman – O Cavaleiro das Trevas atingia um ápice, por exemplo, jamais era pelo teor melodramático com que Nolan retratava Gotham. Era pela racionalidade e aleatoriedade daquele mundo, onde vivíamos tempo o bastante com seus personagens, até o momento em que eles não precisavam dizer mais nada. E é exatamente nesta aleatoriedade da vida, na qual os soldados caminham por uma rua deserta antes de virarem alvos ou num torpedo vindo em direção a um navio, que o diretor demonstra que administrar o caos através de sua lente é a sua maior virtude como cineasta. Se Mel Gibson preferia tratar o choque da guerra como uma vocação no seu prazer pela carne, Nolan é um observador paciente e aleatório. Para o inglês, não existem inimigos numa guerra. Apenas sobreviventes. Analise, por exemplo, como nenhum alemão é visto durante o filme, apenas sombras e o cano de uma arma.

Como saber quem é o inimigo? Nolan chega a demonstrar uma morte ocasional de um garoto num barco, evidenciando sequelas da guerra de uma maneira bem casual. Essa observação garante também uma cena icônica de Dunkirk, onde os soldados correm cada um para um lado, sem organização e acuados, quando ouvem os sons de aviões inimigos chegando. Não existe mais coordenação e alinhamento. Existem pessoas tentando escapar. Da forma que conseguirem. Desta forma, Nolan consegue nos familiarizar com um ambiente de guerra diferente de outros, por não se tratar de lados, mas de resistência. Outra cena fatídica de Dunkirk é na areia, quando o soldado apenas se protege do barulho das explosões, enquanto os colegas são mortos, um a um, por disparos de canhão.

E é necessário destacar o trabalho de som genial que é feito pela equipe de Dunkirk. O exemplo mais gritante é a primeira cena do longa-metragem, onde podemos ouvir o cuidado dos técnicos em registrar cada emissão – o passo, os papeis tocando nos casacos dos soldados, uma janela sendo aberta – até chegar nos tiros rasantes que causam desorientação completa no espectador e nos personagens. Quando um deles consegue correr em direção a praia, os barulhos das balas são sutilmente trocadas pela batida de coração do personagem, como se ele estivesse conseguindo fugir daquela zona de guerra.

É exatamente nas poucas palavras que Nolan domina seu filme. Como já havia mostrado em A Origem, que também foi editado por Lee Smith, o cineasta consegue construir pontes eficientes entre vários paralelos. Assim, um tentando sair de uma janela de um avião enquanto o outro tenta entrar em outra ambientação ou diferentes situações envolvendo inundação nos demonstra a habilidade de Smith em capturar as intenções de Nolan. E minha transição favorita talvez seja aquela em que um personagem diz que não consegue enxergar e somos transportados para um aviador com pouca visibilidade no voo.


Following, Amnésia, Insônia, O Grande Truque, Batman Begins, Batman: O Cavaleiro das Trevas, Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge, A Origem, Interestelar e, agora, Dunkirk. Com mais acertos do que erros, Nolan vai se tornando um dos cineastas mais relevantes da atualidade.