5 de março de 2018

A Trama Fantasma

Phantom Thread, Inglaterra/EUA, 2017. Direção: Paul Thomas Anderson. Roteiro: Paul Thomas Anderson. Elenco: Daniel Day-Lewis, Vicky Krieps, Lesley Manville, Sue Clark, Brian Gleeson. Duração: 2h10min.

"Em resumo, a pessoa amada deixou de ser apenas uma instância exterior, para viver também no interior de nós, como um objeto fantasiado que recentra nosso desejo, tornando-o insatisfeito no limite do tolerável. O ser que mais amamos continua sendo inevitavelmente o ser que mais nos insatisfaz."
J. D. Nasio, O Livro da Dor e do Amor


Tolstoi escreveu que nosso maior erro é confundir o belo com o que é realmente bom. O autor destacava em seu livro a dualidade entre a vida e a morte, além do nosso interesse por apegos momentâneos. Sobre fascínios bruscos. E como nossa percepção pode se tornar evidentemente cega num espaço curto de tempo.

O apreço pelo controle sempre foi um assunto que interessou muitos psicanalistas. O princípio do masoquismo, ou sado, foi visto por Nasio não como perversão, mas como pulsão, onde as duas partes se sentem vítima/autor. Orientados por um espalho de dor intimista, em que o autoinfligimento é uma maneira de contestar o que lhe reprime, de se sentir, de alguma forma, vivo.

Em A Trama Fantasma, a nova obra-prima de Paul Thomas Anderson, há uma adaptação cirúrgica sobre o paradoxo de amar quem nos faz mal. De amar quem lhe machuca. Anderson nos leva até o mundo do sadomasoquismo, mas releva a sexualidade e se interessa primordialmente pelo psicológico. Não é o glamour o êxtase, mas a falta dele.

Conhecemos, assim, Reynolds Woodcock (de sobrenome cínico), um renomado estilista, de acordo com seus caprichos e sua rotina. Sua intenção, embora seja explorar a felicidade do outro e por consequência sua própria, é "costurar" uma mulher perfeita. Suas amantes são caprichos e ostentações. Feitas conforme sua vontade. Quando Alma Elson lhe chama atenção, entretanto, com seu jeito desajeitado, a quebra das molduras pragmáticas do estilista se torna sintomática.

Se em um primeiro momento, observamos a paixão e admiração cegas despertadas pelo novo amor entre eles, logo, a devoção de Alma vira confrontadora, já que, como Anderson evidencia, o amor faz com que queiramos moldar a pessoa conforme nossa própria vontade, queiramos que a pessoa que amamos seja a melhor possível e o confronto sirva para mostrar para ela o caminho que ela pode tomar a partir daí. Nem sempre o mais sábio? Talvez, mas isso não importa, pois a humanidade é egoísta, na visão de PTA.

Quando Alma percebe uma oportunidade de ser importante na vida de Reynolds, ela agarra. Porque, assim como ele, ela quer estar no controle de tudo. Moldar seu relacionamento. Costurá-lo. Vicky Krieps é um assombro e desnuda completamente o tormento de Alma em sua obsessão por Reynolds. Ainda mais impactante que Rosamund Pike, em Garota Exemplar, o diálogo que a atriz tem com Lewis durante o clímax, expondo o que espera que seu marido seja para ela, um dependente contumaz, é de uma vitalidade ímpar. Da mesma forma, a confiança de Lesley Manville durante a narrativa jamais perde a intensidade. Mas é, claro, Daniel Day-Lewis, que projeta em Reynolds Woodcock um homem entre o absoluto e a renúncia do autocontrole, o nosso principal contato com o horror da narrativa pessimista de Paul Thomas Anderson.

O horror de sentir ao invés de pensar, o horror de ser vulnerável, de ser humano, o horror de só sentir prazer na dor, o horror de amar quem nos açoita. Tal qual mãe!, de Aronofsky, nos deixou perplexos e amargurados com o que acontecia dentro daquela representação da humanidade, Paul Thomas Anderson vai pelo mesmo caminho tortuoso e indica pessimistamente o que faz com que digamos sim ao amor e à dependência emocional. Uma patologia muito além do que poderíamos pressupor. 

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